Viagem Literária

Apenas uma maneira de despejar em algum lugar todas aquelas palavras que teimam em continuar saindo de mim diariamente.

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Location: Porto Alegre, RS, Brazil

Um gaúcho pacato, bem-humorado e que curte escrever algumas bobagens e algumas coisas sérias de vez em quando. Devorador voraz de livros e cinéfilo assumido. O resto não interessa, ao menos por enquanto.

Wednesday, December 28, 2005

KING KONG



KING KONG ****1/2
De Peter Jackson. Com Naomi Watts, Adrien Brody, Jack Black, Thomas Kretschmann, Andy Serkis, Jamie Bell, Colin Hanks e Evan Parke.


27/12/05 – Silvio Pilau

A esta altura, todos já estão familiarizados com o nome de Peter Jackson. Após o monumental sucesso artístico e financeiro da trilogia O Senhor dos Anéis, o ex-gordinho neozelandês tornou-se um dos diretores mais requisitados da indústria cinematográfica. Sabe-se, então que Jackson é capaz de realizar um bom trabalho a partir de um rico material, no caso, a obra de J. R. R. Tolkien. A dúvida ficava sobre o que Jackson poderia fazer com uma história mais comum. Em outras palavras, o diretor conseguiria fazer um bom filme a partir de um roteiro apenas correto? King Kong é a resposta.
Terceira versão da história do gorila gigante, o novo filme, assim como o original, se passa em 1933, durante a Grande Depressão que assolou os EUA após a quebra da bolsa de Nova York. Neste cenário, encontramos Carl Denhan, um diretor contestado que, no desespero de acabar seu último filme, parte para uma ilha desconhecida na companhia de Ann Darrow, uma atriz recém-contratada, e Jack Driscoll, o roteirista. Chegando ao local, o grupo, junto com o resto da tripulação do barco, se depara com uma tribo de nativos que seqüestra a mulher para oferecê-la à criatura que habita a ilha: um gigantesco gorila de 8 metros de altura. Enquanto o resto tenta escapar dos perigos da ilha, Ann e Kong iniciam um improvável relacionamento.
King Kong é um magistral trabalho de direção, que coloca Peter Jackson de vez no rol dos grandes cineastas de todos os tempos. O diretor simplesmente pega uma história sem grandes arroubos de criatividade e entrega um filme espetacular, capaz de arrebatar até o mais cético dos espectadores. Mas vamos por partes.
A verdade é que, mesmo com todas as qualidades (que logo comentarei com maiores detalhes), King Kong tem seus deslizes. O mais óbvio deles é a longa duração. Três horas eram adequadas para cada parte da trilogia O Senhor dos Anéis, pois realmente havia história para contar. Os 180 minutos de King Kong, no entanto, soam como mero capricho do diretor, uma vez que diversas cenas poderiam ter sido cortadas, especialmente no primeiro ato da obra.
Jackson (que escreveu o roteiro junto com sua esposa Fran Walsh e Phillipa Boyens) excede-se desnecessariamente na apresentação dos personagens. Ainda que funcione no sentido de aproximar o público das pessoas vistas na tela e, portanto, tornando mais emocionantes os fatos que se desenrolarão em seguida, este início poderia ser mais objetivo e menos dispersivo.
No entanto, assim que os personagens chegam na Ilha da Caveira, King Kong se transforma, talvez, no melhor filme de ação/aventura desde que o próprio Jackson orquestrou uma obra-prima chamada O Retorno do Rei. A partir do momento em que aquela criança nativa aparece na tela, King Kong acumula uma emoção atrás da outra, culminando no grandioso final no Empire State Building, em Nova York.
O embate entre Kong e os três Tiranossauros na Ilha da Caveira, por exemplo, é o que há de melhor em termos de entretenimento no cinema. Jackson comprova ser capaz de construir uma cena de ação e pegar o espectador pela garganta como poucos outros diretores da atualidade. A seqüência em questão é uma interminável sucessão de adrenalina injetada diretamente na veia do espectador, com Kong e Ann escapando de uma situação perigosa para, em seguida, caírem em outra. Só estes aproximadamente dez minutos já valem todo o preço do ingresso, eu garanto.
É nesta seqüência, inclusive, que está um dos momentos mais belos do filme. Presa entre Kong e um Tiranossauro em uma clareira, Ann lentamente move-se em direção ao gorila, como que reconhecendo seu protetor naquela criatura ameaçadora. É uma cena sutil, mas muito bem realizada, que amarra definitivamente o laço entre os dois personagens.
E, mesmo com todas as impressionantes seqüências de ação, é mesmo a relação entre Ann e Kong o tema central do filme. Na realidade, King Kong é uma belíssima – e improvável – história de amor. Os poucos momentos calmos que os dois compartilham são tão ou mais eficientes do que as cenas de ação, seja o “casal” apreciando um pôr-do-sol na Ilha da Caveira, deslizando sobre o gelo em Nova York (em uma cena maravilhosa) ou nos últimos momentos de Kong no Empire State.
Apesar da relação entre Kong e Ann ser muito bem desenvolvida, o mesmo não se pode dizer das outras tentativas de Jackson. O laço entre Hayes e o jovem Jimmy, por exemplo, apesar de tornar os personagens mais familiares aos olhos do espectador, é nada essencial à trama central. De qualquer forma, o momento em que Hayes explica ao garoto do significado da obra No Coração das Trevas é um dos pontos altos da produção.
Da mesma maneira, a ligação entre a própria Ann e Jack Driscoll não convence. O romance entre os dois acontece de forma rápida e jamais soa natural, apesar das boas atuações de Naomi Watts e Adrien Brody. Watts, aliás, demonstra mais uma vez ser uma das atrizes mais talentosas do momento, pois grande parte de seu tempo em tela é preenchido por “diálogos” com Kong apenas através do olhar.
Já que estou falando das atuações, o maior crédito neste sentido deve ir a Jack Black, que constrói o personagem mais complexo do filme de forma talentosa. Seu Carl Denham consegue esconder, por trás de toda a megalomania, um certo arrependimento após tomar certas atitudes e Black encarna o personagem de forma consciente e comedida.
E, finalmente, chegamos ao grande astro do filme: Kong. Talvez tenha me enganado ao colocar Carl Denham como o personagem mais complexo da produção, pois Kong é, provavelmente, mais bem desenvolvido do que qualquer outro. Em um realismo digital poucas vezes antes visto, inclusive com cicatrizes e marcas no rosto, Kong representa mais do que um monstro, mas uma criatura com sentimentos, que passa por diversas mudanças ao longo da história. E o impressionante é que tudo isso consegue ser transmitido através do olhar do animal, em uma conquista maravilhosa da equipe de efeitos especiais.
Mas se Kong alcança este nível de realismo, o mesmo não pode ser dito de outras partes da produção. Em certas cenas, é visível aquilo que é digital e o que não é, como na debandada do grupo de dinossauros. Ainda assim, não é algo que comprometa o filme. A própria seqüência da corrida dos braquiossauros, apesar dos claros retoques digitais, é tão bem dirigida e empolgante que supera este problema.
Esta vitória de Peter Jackson na direção consegue, inclusive, eclipsar alguns pontos no qual o filme poderia sair prejudicado, especialmente no que tange ao roteiro. Além do já comentado primeiro ato prolixo, King Kong possui uma trama clichê, sem nenhuma surpresa (mesmo para que não conhece a história), diálogos apenas corretos e personagens rasos (ainda que, como já comentei, seja oferecido o suficiente para o espectador se preocupar com eles). E algumas perguntas ficam no ar: como Kong foi transportado da ilha até Nova York naquele navio? Ou de onde Carl Denham tirou o mapa para a ilha?
E antes que alguém venha comentar sobre a inverossimilhança de algumas cenas, rebato com este argumento: quem vai assistir um filme sobre um gorila de oito metros que mora em uma ilha jamais visitada pelo homem junto a alguns dinossauros não pode esperar realismo.
O fato é que King Kong não é um filme perfeito. Talvez esteja longe disso. Mas é, indubitavelmente, um exemplar quase irrepreensível do gênero ação/aventura. Peter Jackson assume de vez o trono outrora ocupado por Spielberg e Lucas como o cineasta capaz de colocar no cinema a magia que ele sempre deveria ter. King Kong é uma obra divertida, emocionante e grandiosa. Ou seja, tudo aquilo que o cinema sempre buscou ser.

Friday, December 23, 2005

Seja um merda em 2006

Desejo que a luz acompanhe todos vocês durante o ano de 2006. Que o caminho se ilumine de amor e de felicidade. Que a união seja...

FODA-SE!

Não vim aqui pra gastar o tempo de vocês com uma mensagem boboca, pretensamente bonitinha e repetitiva sobre o Natal e o ano novo. Se era isso que vocês esperavam, então podem parar de ler. Mas peço pra que leiam até o final, porque não vai ser muito grande. Só quero dizer por aqui, agora 365 dias mais experiente do que eu era ano passado, que é hora de parar de perder tempo lendo essas bobagens como aquelas frases lá de cima. De que adianta ficar lendo isso se assim que desligar o computador, você vai sair gritando com a sua mãe, vai falar mal do chefe, vai fofocar sobre aquela amiga? Chega de ficar esperando, ficar desejando, ficar sonhando. Comece a pensar um pouco mais em si mesmo. Tire o ano de 2006 para ser egoísta, para buscar novas formas de se tornar uma pessoa melhor. Tá com tempo sobrando pra ver Luciano Huck na TV? Pois tire o aparelho da tomada e pegue aquele livro que você ganhou de presente e não leu nem o resumo. Preocupado com o que os outros vão pensar da roupa que você quer usar? Vista uma ainda pior. Garanto que vai ser muito divertido ver a cara das pessoas assustadas com o que você está vestindo. Não agüenta mais a rotina do seu emprego? Mande o chefe tomar no cu e vai fazer algo que você gosta. Faça tudo aquilo que puder lhe acrescentar o mínimo de conhecimento, de experiência, de sabedoria. Pense em você antes de pensar nos outros. De que adianta ficar ajudando aos outros se você ainda é uma pessoa incompleta? Vai ensinar o quê se não sabe nada? Primeiro aprenda, primeiro construa, primeiro seja. Depois passe o que você sabe para o próximo. Pense que um mundo melhor só vai existir quando as pessoas forem melhores. Quando você for melhor. E ponha na cabeça que você não é nada. Que é um merda, assim como eu. Saber disso é o primeiro passo para aprender, para crescer. Este é o meu desejo para este final de ano. Que você entre 2006 como um merda. Mas que, ao final dele, tenha se transformado em, sei lá, um peido. Que tenha evoluído o mínimo que seja. Será um início.
Feliz Natal e um ano novo egoísta para todos.

Sunday, December 18, 2005

HARRY POTTER E O CÁLICE DE FOGO


HARRY POTTER E O CÁLICE DE FOGO (HARRY POTTER AND THE GOBLET OF FIRE) ***
De Mike Newell. Com Daniel Radcliffe. Rupert Grint, Emma Watson, Brendan Gleeson, Michael Gambon, Robbie Coltrane, Alan Rickman, Jason Isaacs, Ralph Fiennes, Timothy Spall, Maggie Smith e Miranda Richardson.


18/12/05 – Silvio Pilau

Foram necessárias três tentativas para que o bruxinho mais famoso do mundo ganhasse um filme à altura das expectativas que o cercam. Após as duas primeiras realizações de Chris Columbus, Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban, terceiro episódio da saga, deu outro rumo à série, tornando-a mais sombria, mais empolgante e mais voltada aos personagens, características de seu novo diretor, Alfonso Cuáron. Harry Potter e o Cálice de Fogo, a mais recente adaptação cinematográfica do mundo criado por J. K. Rowling, não decepciona como os filmes de Columbus, mas fica muito aquém da qualidade alcançada na obra anterior.

Desta vez Harry está envolvido em um concurso chamado Tribuxo, uma espécie de competição de magia entre alunos representantes de diversas escolas. Enquanto enfrenta os problemas decorrentes das tarefas do concurso, Harry ainda deve arranjar tempo e coragem para convidar uma garota para o baile de Hogwarts e enfrentar a ameaça do retorno de seu maior inimigo.
A primeira coisa que se percebe em Harry Potter e o Cálice de Fogo é o fato da adaptação ser mais longa do que o necessário. Sabe-se que o livro é o maior de toda a série, mas diversas cenas presentes no filme poderiam ser reduzidas – ou até mesmo excluídas – sem prejuízo algum para a narrativa. É, por exemplo, o que acontece na cena inicial no campeonato mundial de Quadribol ou a briga entre Harry e Ron. Livre destes momentos que pouco contribuem à história, Harry Potter e o Cálice de Fogo adquiriria um ritmo mais fluído, ao contrário do andamento irregular que acabou assumindo.
Da mesma forma, outros elementos da história poderiam ser melhor aproveitados. Por que inserir a questão do baile em uns vinte minutos na metade da obra se isso nem é mencionado antes ou depois? Por que não aproveitar mais a questão da adolescência dos personagens e como isso poderia influenciar os outros elementos da trama? As histórias do campeonato Tribuxo, do baile e a que envolve Lorde Voldemort parecem três tramas diferentes dentro do mesmo filme, uma vez que uma não ressoa na outra.
Em outras palavras, há pouco desenvolvimento dos personagens em Harry Potter e o Cálice de Fogo, especialmente quando comparado à obra anterior da série. Muito tempo de projeção é destinado ao campeonato Tribuxo, particular deste episódio, e pouco aos personagens ou à trama envolvendo o retorno de Lorde Voldemort, relacionados à série como um todo. Assim, pouco daquilo que é visto neste filme acrescenta algo à, digamos, mitologia de Harry Potter.

Outro problema que a obra enfrenta, algo comum a filmes com tantos personagens, é a incapacidade de dar tempo suficiente para todos eles. Desta forma, grande parte deles tem uma ou duas cenas e poucos diálogos, inclusive aqueles representados por atores renomados. O que parece é que são participações de luxo, e não personagens essenciais a um filme. Como não há espaço para o desenvolvimento dos personagens, as relações e conflitos presentes na obra soam superficiais e, mais do que isso, bobocas. É o caso da já citada briga entre Harry e Ron, que apenas ocupa tempo em tela e parece ter sido escrita por crianças de primeiro grau.
Em contrapartida, o universo concebido por Rowling continua fascinante quando visto nas telas. Se a construção da narrativa enfrenta percalços, tecnicamente Harry Potter e o Cálice de Fogo é irrepreensível. Além dos efeitos especiais que criam cenas visualmente impactantes, são as pequenas idéias que, quando somadas, criam este mundo maravilhoso no qual os personagens de Harry Potter vivem. Idéias como a pena que ajuda a jornalista a registrar as entrevistas, o baú que se revela um calabouço ou a bota que, na verdade, é um portal para outro mundo.
E, justiça seja feita, mesmo que, no geral, a direção de Mike Newell falhe no desenvolvimento da história, diversas cenas funcionam brilhantemente quando analisadas em separado. O duelo entre Harry e um dragão e a tarefa passada debaixo d’água são empolgantes, bem como o final com a presença de Lorde Voldemort.
Newell ainda merece créditos por seguir no caminho trilhado por Alfonso Cuarón no filme anterior e colocar Hogwarts sob um tom sombrio e nervoso, ao contrário da alegria juvenil das duas primeiras obras da série. Sente-se, tanto em O Prisioneiro de Azkaban quanto em O Cálice de Fogo, que algo perigoso circula pelo corredores da escola, e o clima pesado parece ser voltado a um público maior do que o dos filmes de Columbus.
Enquanto isso, os três atores principais parecem cada vez mais seguros em seus papéis. Mais do que isso, os rostos de Radcliffe, Watson e Grint tornaram-se indissociáveis de Harry, Hermione e Rony: é impossível pensar nos personagens sem lembrar dos atores. Já o restante do elenco é prejudicado pelo já comentado fraco desenvolvimento dos personagens. Os únicos que ganham algum destaque são Brendan Gleeson, que acerta ao construir seu personagem do olho maluco entre a loucura e a comicidade, Michael Gambon, como o sábio professor Dumbledore, e Ralph Fiennes, em uma rápida, mas marcante, aparição como Lorde Voldemort.
Harry Potter e o Cálice de Fogo é um bom filme, que traz tudo aquilo que se espera de uma obra da série (inclusive a reviravolta envolvendo algum personagem no final), mas jamais adquire um vôo mais alto. Certamente vai agradar aos fãs, mas, para aqueles que jamais se empolgaram muito com o mundo de Harry Potter, não passa de uma diversão inofensiva.

Thursday, December 15, 2005

Prêmio

Hoje vou subir ao palco do Teatro São Pedro pra receber o prêmio Revelação Literária do Palco Habitasul da Feira do Livro. Acho que a maioria já sabe disso, mas, para quem não sabe, foi um concurso pro qual mandei um conto meu e acabei sendo eleito um dos destaques. Terceiro lugar, na verdade. Teve uma vencedora, um primeiro destaque e eu fui o segundo destaque. Então, hoje, às 20h30, vou pro teatro daquele lustre imenso receber R$ 100,00 pelo prêmio e ver o lançamento do livrinho do concurso, com todos os contos, poesias e textos vencedores. Tô na busca por convites, porque tem bastante gente querendo ir. Se alguém tiver afim, me avisa que talvez consiga. Mas era isso. Só pra constar. Ah, o conto vencedor é "O Estranho Caso de Ricardo Almeida", que tá publicado alguns posts abaixo, pra quem quiser ler. É sobre um cara que comia livros e acho até que ficou divertido. Então tá. Fui e nos vemos hoje à noite ou qualquer outro dia.

Tuesday, December 13, 2005

Dando nome aos bebês


Márcia estava grávida de dois meses. Era um ocioso domingo à tarde quando decidiu conversar com Luciano sobre o assunto que a incomodava desde o início da gravidez:

- Querido, não acha que está na hora de a gente começar a pensar no nome do bebê?

- Claro. Depois do jogo.

- Não, depois do jogo, não. Sempre tem um jogo na maldita TV.

- Não tenho culpa, Márcia. Não sou eu quem faço a grade de programação.

- Esquece o jogo por enquanto, Luciano. Acho que está na hora de começarmos a falar nisso.

- Eu acho que ainda é cedo, Márcia. Nem sabemos o sexo do bebê.

- Que diferença isso faz?

- Toda, ora. Ou você quer ter uma filha com o nome de Rogério?

- Não daria o nome de Rogério nem se fosse menino.

- Foi uma suposição, Márcia. O que quero dizer é que não adianta perder tempo pensando nisso agora. Vamos deixar para quando soubermos se é macho ou fêmea. Esta é uma escolha que deve ser feita com muito cuidado.
- Tudo bem.


Márcia estava grávida de seis meses. Era um ocioso domingo à tarde quando decidiu conversar com Luciano sobre o assunto que a incomodava desde o início da gravidez.

- Luciano, já pensou em um nome pro nosso bebê?

- Não, ainda não. Por quê?

- Acho que já está na hora da gente falar sobre isso.

- Agora?

- Sim, qual o problema?

- Agora está passando o jogo.

- Sempre está passando jogo.

- Sempre que você vem falar comigo sobre esse assunto.

- E quando você quer falar sobre isso?

- Daqui a três meses.

- Três meses, Luciano!? Daqui a três meses o bebê nasce!

- Sim, aí decidimos.

- Não quero que meu filho nasça anônimo, Luciano!

- Ele nem vai saber.

- Mas eu vou. Não chamar ele de Fulaninho quando a enfermeira colocar a criança no meu colo!

- Quer chamar de quê?

- Não sei, Luciano! É isso que quero decidir contigo!

- Não acha cedo, Márcia? Muita coisa pode acontecer em três meses. Guerras iniciaram e terminaram em três meses. O que a gente pensa hoje pode não ser o que vamos estar pensando daqui a 90 dias. Esta é uma escolha que deve ser feita com muito cuidado.

- E daí, Luciano?

- Daí, Márcia, que acho que deveríamos pensar nisso quando a data estiver mais próxima. Sabe que minha mente funciona melhor quando o prazo aperta.

- Você quem sabe, Luciano.



Márcia estava grávida de nove meses. Era um ocioso domingo à tarde quando decidiu conversar com Luciano sobre o assunto que a incomodava desde o início da gravidez.

- Luciano, minha bolsa estourou.

- Depois do jogo, Márcia.

- Luciano, minha bolsa estourou!

- Quê!?

- É, será que podemos falar sobre o nome do bebê agora?

- Você está maluca? Vamos já pro hospital. Não é hora de falar sobre isso!




Márcia estava com o bebê no colo. Era um atribulado domingo à noite quando decidiu conversar com Luciano sobre o assunto que a incomodava desde o início da gravidez.

- O Pedrinho é a sua cara.

- Pedrinho?

Márcia não respondeu, oferecendo apenas um olhar ameaçador. Luciano entendeu a mensagem. Aquiesceu com a cabeça e foi acariciar o pequeno Pedro.

Wednesday, December 07, 2005

O EXORCISMO DE EMILY ROSE

O EXORCISMO DE EMILY ROSE (THE EXORCISM OF EMILY ROSE) ***
De Scott Derrickson. Com Laura Linney, Tom Wilkinson, Scott Campbell, Colm Feore, Jennifer Carpenter, Mary Beth Hurt e Henry Czerny.


07/12/05 – Silvio Pilau

No início dos anos 70, uma jovem estudante alemã chamada Anneliese Michels começou a assumir um comportamento estranho. Sem motivo aparente, era dominada por ataques de fúria e parecia ser incapaz de controlar seu corpo. Submetida a tratamento médico, Anneliese não mostrou evoluções para combater a doença. Foi aí que a família optou por um outro caminho. Acreditando que a garota estivesse possuída por demônios, o que ela própria falava, a família convocou um padre para realizar um ritual de exorcismo. Já enfraquecida, Anneliese não resistiu e acabou falecendo. Logo em seguida, o padre e a família foram acusados de homicídio.

Esta história, com algumas alterações, serviu de base para o roteiro de O Exorcismo de Emily Rose. É, indiscutivelmente, uma trama interessantíssima de ser explorada narrativamente, com diversas possibilidades de se construir uma obra riquíssima. Pena que a falta de experiência do diretor Scott Derrickson e algumas falhas do roteiro impeçam o filme de alcançar a qualidade que poderia ter.

Contando praticamente duas histórias ao mesmo tempo (a disputa no tribunal e, em flashbacks, a história da personagem título), a primeira coisa que pode ser dita a respeito de O Exorcismo de Emily Rose, justiça seja feita, é a louvável opção do cineasta em estabelecer uma discussão entre ciência e fé. Contrapondo os dados médicos a respeito da condição da garota com as crenças sobre uma real possessão demoníaca, Derrickson incute no espectador a dúvida daquilo que realmente acontecer.

No entanto, esta qualidade do filme logo é enfraquecida quando se percebe que a intenção não era a de mostrar os dois lados da situação ao espectador, mas, sim, tratar das questões médicas apenas para exibir a estratégia da acusação para ganhar o caso. Ou seja, a ambigüidade que a história poderia ter é dissipada quando se percebe quando Derrickson defende que o exorcismo foi real e os médicos estão todos errados.
Aliás, Scott Derrickson ainda comete alguns excessos em determinados momentos do filme, algo comum com diretores estreantes. Em uma conversa entre o padre Moore e advogada na cela, por exemplo, o cineasta aplica um zoom completamente desnecessário no rosto do homem, tirando toda a seriedade da cena. Da mesma forma, em outra cena ele se aproveita do artifício utilizado por Darren Aronofsky em Réquiem por um Sonho, na qual a câmera parece fixa no corpo do ator, mostrando seu rosto, enquanto ele corre. Se a idéia caía como uma luva no clima de desespero e na edição cinética de Réquiem por um Sonho, em O Exorcismo de Emily Rose a cena fica desconexa com o tom do filme.

E este não é o único problema da obra. As seqüências que deveriam causar tensão no espectador não funcionam, com exceção da primeira delas. Ocorrida dentro do dormitório de Emily – a primeira vez em que ela sofre com o problema – é uma seqüência muito bem conduzida, explorando os espaços do corredor e realmente causando angústia no espectador no momento do ataque sofrido pela personagem.

O diretor, porém, praticamente reproduz esta seqüência ao menos três vezes durante o filme, com outros personagens. O resultado é que as cenas soam repetitivas e, após esta primeira, acabam perdendo a sua força. Além disso, o momento em que Emily tem as primeiras visões (na janela da sala de aula e no rosto das pessoas) mais parece um filme trash do que um terror que tenta ser de primeira linha.
E “tentativa” talvez seja a palavra que melhor resuma o filme. O Exorcismo de Emily Rose é recheado de intenções corretas, apesar de apenas algumas se concretizarem. Além da já citada discussão entre fé e ciência, outro exemplo que poderia ser citado nesse sentido é a opção em deixar de lado os sustos para investir em clima de tensão constante. Pena que, como já foi comentado, o filme se torne repetitivo a partir de certo momento, enfraquecendo esta escolha acertada do cineasta.

O roteiro, igualmente, não consegue se sustentar. Verdade que o desenvolvimento da narrativa deixa um certo clima de mistério quanto ao final. O espectador sabe desde o início o que vai acontecer, mas é atraído pela história para saber como vai acontecer. Mesmo assim, os personagens jamais se tornam simpáticos ou, ao menos, recebem um desenvolvimento adequado.
O advogado de acusação, por exemplo, é um que poderia ter sido explorado mais satisfatoriamente. O roteiro o coloca como um homem de fé, praticante. Um belo ponto de partida para abordar um possível conflito interior entre suas crenças e o fato de estar batalhando para mandar um padre para a cadeia. No entanto, nada nesse sentido acontece e a posição religiosa do advogado parece ser esquecida no desenvolvimento da trama.

Já com a personagem de Laura Linney acontece algo diferente. É a única que possui um arco dramático na história, com suas convicções e personalidade modificadas entre o início e o fim do filme. O fato é que essa transformação jamais convence, apesar da atuação correta de Linney. A dúvida que deveria crescer nela durante a obra acontece muito rapidamente. Sua conversa com o padre, sobre como começa a pensar na possibilidade de existir um plano espiritual, é artificial ao extremo.

Mesmo que jamais se torne entediante e prenda a atenção até o final, O Exorcismo de Emily Rose não passa de uma produção correta. Tem uma bela atuação de Tom Wilkinson e bons momentos, mas é prejudicado pela soma de suas pequenas falhas e possibilidades não exploradas. E claro, padece diante da sombra de William Friedkin e seu assustador O Exorcista, que continua firme no posto de filme definitivo do gênero.