Viagem Literária

Apenas uma maneira de despejar em algum lugar todas aquelas palavras que teimam em continuar saindo de mim diariamente.

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Location: Porto Alegre, RS, Brazil

Um gaúcho pacato, bem-humorado e que curte escrever algumas bobagens e algumas coisas sérias de vez em quando. Devorador voraz de livros e cinéfilo assumido. O resto não interessa, ao menos por enquanto.

Thursday, November 27, 2008

KUNG FU PANDA



Kung Fu Panda
EUA, 2008
Grande sucesso de bilheteria, Kung Fu Panda é a mais nova animação capaz de agradar adultos e crianças. Os pequenos vão adorar o colorido e os personagens, enquanto os mais velhos certamente se divertirão com as boas piadas e as inspiradas cenas de ação. Estas, aliás, são o grande destaque, por serem bastante inventivas e empolgantes. O roteiro traz a óbvia lição de moral e algumas piadas acabam se repetindo (especialmente as que envolvem o excesso de peso do protagonista), mas Kung Fu Panda é divertido o suficiente para justificar uma espiada – e a produção da inevitável seqüência.
Nota: 7.0

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SOBREVIVENTE


Sobrevivente (Survivor)
Chuck Palahniuk
Um dos mais cultuados escritores da literatura underground norte-americana, Chuck Palahniuk, autor de Clube da Luta, acerta mais uma vez com Sobrevivente. Como em todas as suas obras, a trama conta a história de um protagonista desajustado e sua relação com a sociedade e outras pessoas. Palahniuk, novamente, não poupa ninguém. Com sua linguagem rápida e corrosiva, o escritor critica de forma brilhante o fanatismo da religião, o culto à celebridade e a própria natureza do ser humano. Sobrevivente é um livro criativo e corajoso, capaz de abrir os olhos do leitor para uma série de assuntos.

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APENAS UMA VEZ


Apenas Uma Vez (Once)
Irlanda, 2006
Esta pequena produção vencedora do Oscar de melhor canção em 2008 é um dos mais belos contos de amor a chegar aos cinemas nos últimos anos. De forma quase documental, o diretor John Carney apresenta a história de um músico de rua irlandês se apaixonando por uma imigrante tcheca. Sensível e tocante, Apenas Uma Vez captura de forma mágica a aproximação entre os dois através da música, realmente trazendo o espectador para o coração dos personagens. Além disso, a trilha é marcante e o roteiro evita os clichês. O que fica é uma declaração sobre o poder da música e sobre as dificuldades do amor.
Nota: 8.0

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AGENTE 86


Agente 86 (Get Smart!)
EUA, 2008
A versão para os cinemas da antiga série de TV tem a capacidade de arrancar gargalhadas do público. Muito disso se deve ao genial Steve Carell, novamente demonstrando seu impecável timing cômico em cenas hilárias e ofuscando o resto do elenco. Assim, Agente 86 torna-se filme de um homem só, e sempre que Carell sai de cena, a produção perde sua força. Além disso, o diretor Peter Segal erra ao privilegiar a ação no lugar do riso no terceiro ato, desperdiçando a oportunidade de criar uma das grandes comédias dos últimos anos. Maxwell Smart merece uma continuação.
Nota: 6.5

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HORTON E O MUNDO DOS QUEM


Horton e o Mundo dos Quem (Horton Hears a Who!)
EUA, 2008
Por mais que se tente, são poucos os esforços no campo da animação que conseguem chegar ao nível do que é produzido pela Pixar, estúdio responsável por obras-primas como Os Incríveis e Wall-E. Este Horton e o Mundo dos Quem é apenas mais um desenho, sem oferecer nada de muito original. Baseado em um livro do Dr. Seuss, o filme tem como grande destaque as dublagens inspiradas de Jim Carrey e Steve Carell, além de algumas piadas que funcionam e boa dose de criatividade visual. Por outro lado, o ritmo é irregular e história segue uma fórmula óbvia, inclusive com a obrigatória lição de moral. Mais recomendado para crianças do que adultos.
Nota: 6.0

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Friday, November 21, 2008

Sobre "Clube da Luta"

Sempre hesitei em fazer uma crítica para Clube da Luta. Muitos que lêem esse blog devem saber que o filme de David Fincher é o meu favorito e tinha medo de escrever um texto que não fizesse jus a tudo o que penso da obra. No entanto, ao descobrirem o meu apreço por Clube da Luta, diversos leitores do site de cinema para o qual escrevo (http://www.cineplayers.com/) começaram a pedir que eu fizesse uma análise do filme. Demorei, enrolei, mas, finalmente, decidi fazer. O resultado está no post abaixo. O texto ficou longo, mas acredito que bastante detalhado, exatamente como uma análise a um filme tão complexo deve ser. Se, ao menos, consegui transmitir parte da grandeza da visão de Fincher e do escritor Chuck Palahniuk, fico feliz.

CLUBE DA LUTA


CLUBE DA LUTA (FIGHT CLUB)
De David Fincher. Com Brad Pitt, Edward Norton, Helena Bonhan-Carter, Jared Leto e Meat Loaf.

"Nada mais importante para chamar a atenção sobre uma verdade
do que exagerá-la.”
Antônio Candido, na obra Literatura e Sociedade.

“Se você quer que as pessoas o ouçam, não se pode mais apenas
dar-lhes um tapinha nas costas. É preciso acertá-las com
uma marreta.”
John Doe, personagem de Kevin Spacey em Seven – Os Sete Crimes
Capitais.

ATENÇÃO: ESTA CRÍTICA CONTÉM SPOILERS. RECOMENDA-SE A LEITURA APENAS A QUEM JÁ ASSISTIU AO FILME.

Ao contrário do que muitos imaginam, é difícil a um crítico de cinema apontar um filme como favorito. O relacionamento destes profissionais com a Sétima Arte é, inevitavelmente, diferente daquele de boa parte das pessoas. Os críticos gostam, sim, de menos filmes do que a grande maioria. Porém, por mais que tenham a fama de rabugentos e metidos a intelectuais sem gosto popular, quando uma determinada obra cai no seu gosto, a adoração a ela é incrivelmente maior, exatamente pelo fato do crítico compreender o que a faz grande e as dificuldades envolvidas para atingir tal qualidade artística.

Pois, mesmo não sendo um crítico, somente um cinéfilo que gosta de tecer opiniões, ouso afirmar que Clube da Luta é meu filme favorito. Provavelmente não seja a melhor obra já produzida nestes pouco mais de cem anos de Cinema, mas é a que mais admiro e que mais impacto teve em minha vida. Aqui, pretendo explicar as razões que me levam a colocar Clube da Luta acima de incontáveis outras obras-primas, em um texto que consiga fazer jus ao filme mais importante dos anos 90 e uma das maiores conquistas cinematográficas que já tive a oportunidade de assistir.

Dirigido por David Fincher e com roteiro de Jim Uhls, Clube da Luta é baseado em um livro de Chuck Palahniuk, atualmente um dos mais cultuados escritores da literatura underground norte-americana. Para quem não conhece, a história começa com um investigador de seguros sem nome interpretado por Edward Norton (que chamarei de Narrador a partir de agora), sofrendo de insônia e cansaço em meio a suas incontáveis viagens. Certa vez, conhece no avião um vendedor de sabonetes chamado Tyler Durden (Brad Pitt), com o qual vai morar após uma explosão em seu apartamento. Tyler é tudo aquilo que o narrador não é: vivaz, divertido, corajoso, bacana. Junto a Tyler, o narrador acaba fundando um clube da luta, onde homens põem todas as suas insatisfações para fora brigando entre si. Em pouco tempo, o clube cresce, ganhando novos adeptos e fugindo do controle do seu criador.

Claro que esta é apenas uma definição básica da história concebida por Palahniuk e contada, em película, por Fincher. Clube da Luta é muito mais do que apenas um grupo de caras dando porrada uns nos outros – ainda que algumas pessoas ainda teimem em enxergá-lo desta forma. Repleta de camadas e possíveis interpretações, a obra propõe profundas reflexões sobre a maneira como vivemos nossas vidas e a forma como nos relacionamos com os outros em um mundo moderno dominado por conquistas materiais. Quem ficar apenas na primeira camada, a dos socos e dentes quebrados, pode interpretar erroneamente o filme como uma apologia à violência e ao fascismo. Quem estiver disposto a pensar e refletir, pode ter sua vida mudada.

Na realidade, esta inteligência mascarada foi um dos dois motivos para o fracasso de Clube da Luta na época de seu lançamento, pois foi vendido erroneamente ao público. Com o rosto de um dos mais populares astros hollywoodianos no cartaz, a platéia esperava mais uma produção de fácil digestão, presa a fórmulas batidas para potencializar o apelo de Pitt. A surpresa foi encontrar um filme sujo, incômodo, repleto de nuances que podem passar despercebidos na primeira vez que se assiste. Clube da Luta é uma daquelas obras que crescem exponencialmente a cada visita, onde se percebe o cuidado de Fincher e Uhls em construir uma história impecável em seus detalhes.

O primeiro grande acerto do diretor e do roteirista é ser fiel ao texto de Palahniuk, porém realizando as modificações necessárias para a obra funcionar. Diversos momentos e diálogos do filme são retirados ipsis literis do livro, mantendo vivo o espírito e a mensagem. Ao mesmo tempo, com a consciência de se tratar de mídias distintas, outros são modificados sem pudor, a grande maioria ganhando em alcance e impacto com os recursos cinematográficos. Assim, mantendo o tom ácido e a essência do trabalho de Palahniuk, e potencializando-os com artifícios visuais e a força da imagem, Fincher expande a capacidade da já perturbadora e fascinante obra literária, construindo uma verdadeira obra-prima cinematográfica.

Um dos principais exemplos para ilustrar a maneira como Fincher utiliza os recursos visuais em prol da história é a própria condição de insônia do protagonista. Enquanto no livro isso não passava de informação, a obra audiovisual realmente é capaz de transmitir a sensação de languidez em suas primeiras cenas, seja no rosto cansado de Edward Norton, em sua narração arrastada ou no tom monocromático adotado por Fincher para a fotografia. Assim, os momentos iniciais de Clube da Luta passam de maneira perfeita o estado emocional do protagonista, preso em uma vida sem qualquer espécie de altos e baixos.

Mas não é só isso. Fincher, um diretor reconhecido por sua virtuosidade técnica, também utiliza recursos visuais de forma a soltar diversas “dicas” a respeito da revelação final de Clube da Luta. Este, aliás, é um dos grandes motivos para se assistir o filme mais de uma vez: é divertido acompanhar as brincadeiras realizadas pelo diretor e perceber como estava tudo na cara da platéia desde o início. Estas dicas começam já nos créditos iniciais. Para quem não lembra, o filme parte de uma viagem por neurônios e sinapses antes de chegar à primeira cena. É, de certa forma, o primeiro indício de que a história que veremos se passa dentro do cérebro do protagonista.

E os truques de Fincher neste sentido continuam por toda a obra. Em quatro momentos, por exemplo, o cineasta apresenta rápidos inserts da figura de Tyler, antes mesmo da cena em que ambos se conhecem no avião. As duas primeiras ocorrem no consultório médico, quando o narrador fala sobre a insônia, e no grupo de apoio. Mais adiante, Tyler aparece em um comercial de TV e no aeroporto, no exato momento em que o narrador diz: “Se eu pudesse acordar em um lugar e uma hora diferentes, poderia ser uma pessoa diferente?”

De certa forma, a intenção de Fincher com as aparições de Tyler é mostrar esta segunda personalidade ganhando forma na mente do narrador. As próprias cenas nas quais elas ocorrem não são aleatórias, mas selecionadas a dedo, pois são momentos nos quais ou o narrador demonstra as dificuldades pelas quais passa ou transmite o desejo de ser outra pessoa. Assim, quando Tyler realmente parece pela primeira vez, o espectador não sabe quem ele é, mas existe uma leve noção de que o personagem já é conhecido – como uma variação da própria pessoa do narrador. Uma mensagem subliminar que é uma trapaça, mas uma trapaça deliciosa e que funciona.

As pistas deixadas por Fincher, porém, não se resumem a isso. Elas estão presentes durante todo o filme, como no fato de Tyler e o Narrador jamais interagirem com uma terceira pessoa ao mesmo tempo, nas reações de alguns personagens (como os Macacos Espaciais, quando o Narrador pergunta por que pintaram o prédio, e todas as cenas de Marla) e, principalmente, nos diálogos. Alguns exemplos: “As palavras de Tyler saindo da minha boca”, após uma discussão do Narrador com o chefe; “Por algum motivo, pensei em minha primeira briga com Tyler”, após bater em si mesmo; “Tyler é meu pesadelo ou eu sou o dele?”; apenas para citar alguns. São incontáveis momentos nos quais Fincher dá dicas do que está para acontecer.

Este artifício, aliás, acaba com qualquer possibilidade de que a reviravolta assuma um tom de sacanagem, como se Fincher apelasse para alucinações de forma a encerrar uma história sem final. Na realidade, a revelação amarra de maneira impecável não somente a própria estrutura da trama como também a mensagem que o filme pretende transmitir: a de que não somos quem gostaríamos ou esperávamos ser. Como diz Tyler naquele que é o discurso-essência da obra: “Fomos criados pela televisão acreditando que um dia seríamos astros do cinema, estrelas do rock ou milionários. Mas não seremos. E estamos muito, muito, furiosos”.

As palavras de Tyler são um despertar, tanto para os personagens quanto para o espectador. São frases duras, que não hesitam em apontar a frustração existencial do homem no final do século passado – e hoje ainda. Uma geração inteira que trabalha “em empregos que odeia para comprar coisas que não precisa”, decepcionada com suas próprias jornadas e acomodada a tal ponto de nada mais sentirem. São pessoas que sobrevivem ao invés de viver e que há muito já aceitaram que não alcançarão seus sonhos de infância e não verão realizadas as promessas que um dia lhe foram feitas. Como conseqüência, vivem uma vida anestesiada, onde cada novo dia é um verdadeiro sacrifício. Uma geração que encontra dificuldades em sentir-se viva.

Eis que surge o clube da luta. Porém, a intenção do clube não é quebrar a cara de outro como forma de liberar esta frustração contida. Bem ao contrário, o objetivo não é bater, mas apanhar. Clube da Luta é sobre sentir-se vivo, sobre ter cicatrizes, sobre novamente voltar a sentir algo. A violência na obra não passa de uma metáfora. As lutas são um artifício para os personagens descobrirem que ainda possuem sangue nas veias. Que não são apenas “o dinheiro que têm no banco ou as roupas que vestem”, mas seres humanos de verdade. O objetivo de Tyler é esse acordar. É preciso aceitar a dor, e não sempre tentar evitá-la. Em outras palavras, aceitar a vida, com todas as suas dificuldades, e não ter medo de encará-la de frente.

A noção de que Clube da Luta é sobre apanhar ao invés de bater fica clara em diversos momentos da obra. Além dos diálogos (“Só depois de perder tudo é que você será livre para fazer o que quiser”), há um momento crucial que corrobora tal visão. Este acontece na primeira briga entre Tyler e o narrador, no estacionamento do bar. Fincher dirige a cena com precisão cirúrgica, capturando com brilhantismo todo o aspecto bizarro da situação. A grande revelação ocorre no momento em que Tyler dá um soco no Narrador. No exato instante, ouve-se sons de batimentos cardíacos. Reparem como, antes, quando quem desfere a porrada é o Narrador, nada acontece. Quando o Narrador recebe o soco, escuta-se um coração batendo.

É um detalhe, um artifício sutil, mas um fato que corrobora a idéia de como Clube da Luta não é sobre bater, mas sobre entregar-se para se sentir vivo. Ao apanhar, ao perceber que a sua vidinha correta e asséptica não mais está sob seu controle, o Narrador descobre que tudo aquilo que julgava essencial não é necessário para a sua vida. Descobre que vivia por futilidade, pela idéia vazia de consumismo, que estava sendo dominado pelo que julgava primordial. Como diz Tyler, em uma das frases-chave de toda a obra: “As coisas que você possui acabam possuindo você”. Ao sentir o soco no estômago, o Narrador se dá conta de que não é especial como acreditava e que possui as rédeas de sua própria vida.

Neste ponto, volto à análise sobre a revelação final de Clube da Luta. Ainda que julgada como solução fácil por muitos, a idéia de que Tyler e o Narrador são a mesma pessoa não somente é perfeita, mas forma a base de toda a estrutura da obra. Tyler somente existe porque o Narrador estava insatisfeito com sua própria vida, ainda que não o soubesse. “Eu sou livre de todas as formas que você não é”, diz Tyler. Todas as amarras do Narrador, suas restrições sociais, seu consumismo, sua necessidade de viver a vida que todos esperam, acabaram criando um amigo imaginário que é o verdadeiro oposto disso: Tyler é estiloso, anarquista, divertido, inteligente. Tyler é quem o Narrador gostaria de ser.

Tal contraponto entre os dois personagens funciona de forma impecável graças, principalmente, a Edward Norton e Brad Pitt. Os dois atores assumem completamente seus papéis, compreendo a proposta provocadora da história. Assim, o Narrador e Tyler são interpretados sempre no limite do caricato, caminhando sobre a tênue linha que separa o exagero da sátira. Pitt já provou que, quando sob o comando de um bom diretor, pode ser um grande ator, e Tyler Durden é o papel da sua vida. O astro constrói um dos personagens mais icônicos das últimas décadas, combinando estilo, niilismo e divertindo-se (e ao espectador) à beça.

Enquanto isso, Norton, indiscutivelmente um dos grandes atores recentes do cinema americano, tem o papel mais difícil, pois seu personagem passa por várias transformações ao longo do filme. O ator consegue transmitir isso sem jamais perder o bom humor e o timing cômico de sua composição, tornando-se o verdadeiro centro narrativo de Clube da Luta. Desde sua narração monocórdia até a fúria liberada em uma de suas lutas, Norton abraça o papel como se estivesse representando não somente um personagem, mas toda uma geração – e o fato de seu personagem não ter nome pode ser uma prova de que Fincher realmente tinha a intenção de dar essa responsabilidade ao protagonista. O Narrador é o sr. X, um representante qualquer da massa amorfa representada no filme e da qual todos nós fazemos parte.

E, já que falei no bom humor muito bem defendido por Norton e Pitt, vale afirmar que Clube da Luta é, acima de tudo, uma sátira. Ou seja, ainda que fale sobre um tema realmente difícil de lidar, Fincher apresenta tais cicatrizes do homem moderno de forma, se não leve, descontraída. Ou seja, o roteiro e a direção são inteligentes o bastante para não realizar um filme expositivo demais para transmitir sua mensagem, colocando-a dentro de uma história maluca que, muitas vezes, mostra o contrário do que quer dizer para que o espectador possa tirar as suas próprias conclusões.

Para que isso seja alcançado, é fundamental um diretor hábil, com completo domínio não somente da técnica, mas dos recursos dramáticos. David Fincher já provou ser capaz disso. Maior que a sua ousadia em assumir um projeto tão arriscado quanto Clube da Luta é a sua capacidade em contar uma história como essa. Fincher se mantém fiel à obra na qual o filme é baseado: um livro extremamente ágil, com frases curtas, parágrafos e capítulos pequenos. O cineasta transmite esta sensação com seu estilo visual e uma edição cinética, sempre com movimentos de câmera ousados e cortes rápidos.

Cada cena parece pensada ao máximo antes de ser executada: assim, não é por acaso que sentimos algo de surreal quando o Narrador conversa com Tyler no porão e Marla ao mesmo tempo, assim como não é acidente a languidez dos momentos iniciais do filme, representando a insônia do protagonista. Tudo é realizado dentro dos objetivos de Fincher, com as cenas adquirindo significados, construindo uma narrativa impecável, que cresce em urgência e que carrega o espectador num piscar de olhos até o final.

E sua técnica irrepreensível vale também para as cenas de luta. Esqueçam as brigas coreografadas e limpas que estamos acostumados a ver no cinema. Em Clube da Luta, os embates são crus, viscerais e realistas. O sangue é escuro, o som dos socos são secos e os golpes são desajeitados, típicos de quem nunca lutou na vida. A violência é, sim, forte, mas está lá para cumprir um objetivo. Ela faz parte da mensagem de Fincher sobre ir ao fundo do poço, sobre como “somente depois de perder tudo é que você consegue fazer qualquer coisa”. A utilização da violência é o modo de Fincher “exagerar sobre a verdade” para realmente chamar a atenção. Afinal, o que é mais perturbador: assistir socos na cara ou ouvir alguém dizer que sua vida não vale nada?

Há ainda, dois pontos importantes a serem analisados dentro do contexto de Clube da Luta: os grupos de apoio e Marla. Em relação ao primeiro, é importante refletir, pois ilustra a condição do protagonista antes de “conhecer” Tyler. Até então, o Narrador tentava preencher sua vida com coisas sem sentido, não entendendo de onde vinha o seu vazio – e, conseqüentemente, sua insônia. Nos grupos de apoio, entrando em contato com aquele tipo de sofrimento e honestidade, ele começou a sentir valorizado, seja por ver outras pessoas em situações piores que a sua, em uma espécie de catarse, seja pelo fato de se sentir importante e valorizado com a atenção que elas oferecem.

Enquanto isso, Marla funciona como o verdadeiro catalisador da história. É como o Narrador diz nos primeiros segundos do filme: “Tudo tem a ver com uma garota chamada Marla”. Tyler só aparece de fato após ele conhecer Marla. É possível interpretar que o alter-ego só ganhou vida por causa dela. Foi para impressionar Marla, para poder conquistá-la, que o Narrador criou uma segunda personalidade na qual teria a confiança necessária para poder ter um caso com Marla. Se alguém quiser ir mais longe, pode inclusive afirmar que Clube da Luta é uma história de amor, girando em torno do relacionamento entre o Narrador e Marla.

Uma das principais críticas feitas ao filme é que ele se perde em seu terceiro ato, quando da criação do Projeto Caos. Tal ponto de vista é equivocado, uma vez que o Projeto é a evolução natural da história. A idéia por trás dele não é tanto causar o caos na sociedade quanto o de fazer as pessoas perceberem como suas vidas são vazias. O projeto é uma espécie de evolução do clube da luta, mas, ao invés de despertar cada indivíduo para a vida, a intenção é acordar a civilização inteira do estado de anestesia em que se encontra. O que o clube fazia por cada membro, o Projeto faria para a sociedade como um todo.

Clube da Luta é tudo isso e um pouco mais. É um retrato mordaz de uma existência cada vez mais insuficiente, resultado de um mundo que tenta reprimir tudo aquilo que faz do ser humano o animal único que é. Fincher, assim como Palahniuk no livro, não faz isso com palavras e imagens gentis, mas através de metáforas poderosas e perturbadoras. Quem quiser assistir Clube da Luta sem refletir sobre tudo o que ele representa, apenas se divertindo com o bom humor e as cenas incrivelmente bem filmadas, certamente irá gostar da obra. Porém, deixará de compreender a significância de um dos filmes mais importantes das últimas décadas.

A sensação que fica após assistir Clube da Luta é a de que estivemos no porão de algum bar brigando com o próprio David Fincher. Tal qual os personagens, apanhamos e saímos exaustos, mas adquirimos uma nova consciência sobre nossas vidas e sobre o que realmente é importante.

Quantos filmes são capazes de fazer isso?

“Sua cabeça vai surtar,
Mas não há nada lá dentro
E você vai se perguntar:
Onde está minha mente?”

Trecho da música “Where’s my Mind”, do Pixies, ouvida ao
final de Clube da Luta.

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Wednesday, November 19, 2008

Fio de esperança.

Ninguém poderia supor, ao me ver entrar no escritório naquela terça-feira, que até o final do dia eu estaria morto.

Na realidade, ninguém se preocupava. Ser chefe tem dessas. Por mais que você ache que seus funcionários são seus amigos, eles estão nem aí. Enquanto a grana deles estiver na conta no fim do mês, preferem evitar qualquer contato. O mito da medusa. Olho no olho e podem virar pedra.

A minha morte não foi planejada. Não. Não acordei aquela manhã sem querer saber as manchetes do dia seguinte no jornal. Para mim, era um dia como qualquer outro. A chatice do trabalho. Ter que comandar um bando de incompetentes que nem sabe direito para que funciona o seguro que vende. A mesma merda em casa, com a esposa no ouvido enquanto o guri corre gritando com aquela voz insuportável. O mesmo CD tocando pela milésima vez no engarrafamento.

Um dia especial como qualquer outro.

Exceto que, ao final, eu estaria morto.

É difícil se olhar e ver que, aos quarenta e nove anos, tudo o que você fez pelo mundo foi abrir uma empresa que corrige as cagadas das pessoas. O playboy metido a machão que bate o Audi que ganhou do papai ao se exibir pros amigos. O executivo que se acha o super-herói e dirige depois de beber no puteiro. O apressadinho que costurava o trânsito para não se atrasar pro encontro com a amante. É pra esses merdas que eu trabalho. Pra eles eu pago. Para que esqueçam seus erros e os cometam tudo de novo.

Tudo bem, tinha um filho. E daí? Somente mais um perdedor pra passar três quartos de sua existência dentro de um escritório. Mais uma pessoa que vai fazer as mesmas merdas que milhões fizeram antes dele. E, caso ele construa alguma coisa, vai jogar tudo fora por causa de uma mulher que vai enlouquecer sua cabeça.

Estudar. Trabalhar. Procriar. Morrer.

Nada mais do que isso.

Na mais do que já fiz.

Exceto morrer. Ainda não tinha morrido. Ou melhor, tinha. Morrido todos os dias. Pelo menos, era assim que me sentia. Só faltavam os vermes devorando meu corpo. Só faltava a areia entrando por cada um dos meus poros. A morte, como dizem os cientistas, física. Porque de resto eu já era

Mas aconteceu. À noite. Voltando pra casa. Aquele filho da puta que passou o sinal vermelho e bateu em cheio na minha porta.

Sim, filho da puta. Um fato que me dou conta só agora. Por mais que eu odiasse toda aquela minha vida, não queria morrer.

Hoje, vejo que é porque eu ainda tinha esperança de poder fazer algo. Tinha a esperança de mandar tudo pro inferno e viver vendendo drinques na beira de uma praia paradisíaca. Tinha a esperança de mudar.

Agora, nem isso eu tenho.

Nada mais.

Nessas horas agradeço por já estar morto.

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Fábulas 2 - A Felicidade da Tartaruga

Aos cento e dois anos, a crise da meia-idade atingiu a Tartaruga. Sentia-se insatisfeita, cansada da rotina. Infeliz, quase entrou em depressão.

Decidiu que precisava de mudanças em sua vida. Iria começar pela casa. Chamou o João-de-Barro, maior especialista em imóveis na floresta, e saíram em busca de um novo lar. A Tartaruga sabia que sua felicidade estaria na nova casa.

Procuraram e procuraram e procuraram e nada encontraram. Nada satisfazia a Tartaruga. Nenhum lar transmitia a sensação de felicidade que ela procurara.

Enquanto caminhavam, cabisbaixos, a Tartaruga e o João-de-Barro pararam no riacho. Ela olhou para a água e viu o que tinha às costas. Subitamente, tomada de alegria, exclamou:

- Obrigado, seu João, mas não preciso mais dos seus serviços. A casa que eu sempre quis está bem aqui comigo.

Em si mesma, encontrava a felicidade que tanto buscou.

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007 - QUANTUM OF SOLACE


007 – QUANTUM OF SOLACE (QUANTUM OF SOLACE)
De Marc Forster. Com Daniel Craig, Mathieu Almaric, Olga Kurylenko, Judi Dench, Gemma Atherton, Giancarlo Giannini e Jeffrey Wright.

Após décadas sendo fiel à mesma fórmula, a série 007 entrou em um novo momento em 2006, quando os produtores decidiram partir do zero e reinventar completamente o personagem. Claramente influenciada pela trilogia Bourne, a franquia apostou, em Cassino Royale, em uma trama mais realista e violenta, além de transformar o herói intocável James Bond em um espião de carne e osso, repleto de falhas. O resultado foi um dos melhores filmes – se não o melhor – e a maior bilheteria mundial de toda a história da série.

007 – Quantum of Solace é uma continuação direta da produção anterior, começando poucos minutos após o encerramento de Cassino Royale. Agora, Bond, ainda sofrendo pela morte de Vésper, toma conhecimento de uma organização poderosíssima chamada Quantum, que não apenas esteve por trás dos acontecimentos do primeiro filme, como também possui interesses obscuros em um golpe de estado na Bolívia. Enquanto busca sua vingança, o agente une-se à bela Camille para se aproximar de Dominic Greene, um dos líderes da Quantum.

Desta vez, quem assume o comando do navio é Marc Forster, cineasta tão talentoso quanto versátil, responsável por produções com temáticas distintas como A Passagem, Em Busca da Terra do Nunca e O Caçador de Pipas. Arriscando pela primeira vez no gênero ação, Forster demonstra novamente sua capacidade, entregando um filme ágil e eficiente, ainda que possua sua parcela de problemas. Quantum of Solace é uma produção que funciona sozinha, mas perde quando comparada à aventura anterior dirigida por Martin Campbell.

A grande surpresa fica por conta das ótimas cenas de ação. Em momento algum, Forster demonstra inexperiência no assunto, criando momentos intensos e que exploram o caráter bruto do novo James Bond. A escolha em utilizar cortes rápidos e tomadas com a câmera na mão pode ser perigosa, mas em Quantum of Solace a opção realmente funciona de forma a aumentar a tensão e refletir a urgência das situações – algo semelhante ao que Paul Greengrass fez nas duas últimas produções de Jason Bourne. Como resultado, é impossível não grudar as unhas nas poltronas do cinema na perseguição de Bond pelos telhados ou aplaudir a excelente seqüência passada na ópera.

Além disso, Forster imprime um ritmo verdadeiramente intenso a Quantum of Solace. Quando não está correndo, dirigindo ou explodindo coisas, Bond está conseguindo novas informações que fazem a trama andar. Deste modo, a história nunca fica parada. Não há um mero momento de descanso ou tédio no filme. Pelo contrário, o espectador é jogado de uma cena de ação para a outra sem tempo para respirar, tendo que ficar atento para não se perder no desenvolvimento do enredo.

Este, porém, não é tão elaborado quanto em Cassino Royale. Escrito pelos mesmos Paul Haggis, Neal Purvis e Robert Wade, o roteiro de Quantum of Solace não reserva grandes surpresas e é simples em seu desenvolvimento, optando por não explicar muito sobre a Quantum – o que provavelmente será realizado no(s) próximo(s) filme(s). Esta opção, aliás, resulta em um momento tanto arriscado como estranho, quando Forster opta por não mostrar o interrogatório de Bond com um dos vilões, quando ele revela informações sobre a organização. É, de certa forma, uma sacanagem com o espectador, pois os personagens terminam o filme sabendo mais sobre a Quantum do que a platéia.

O roteiro peca também no desenvolvimento do personagem. Ainda que Daniel Craig continue perfeito no papel, combinando o aspecto irascível e frio com certa vulnerabilidade emocional, a trama de Quantum of Solace não acrescenta muito ao novo Bond. Há, claro, a questão da busca pela vingança e do ressentimento pelo que aconteceu com Vesper, mas isso é apenas mencionado por outros personagens três ou quatro vezes, sem qualquer reflexo efetivo no personagem. Bond continua muito mais humano e falível do que em obras anteriores – agindo por impulso, errando com freqüência e sempre prestes a explodir –, mas essa percepção ainda é resquício do que conhecemos no filme anterior. Quantum of Solace não leva o personagem adiante.

O mesmo vale em relação aos outros personagens. O roteiro ainda tenta trazer uma história de fundo para Camille, mas essa é tão clichê que só resta mesmo se impressionar com a beleza de Olga Kurylenko. Enquanto isso, Mathieu Almaric não tem muito sobre o que trabalhar, uma vez que o desenvolvimento do seu personagem é fraco, e a também bela Gemma Aterton é um artifício totalmente dispensável à trama: sua presença existe unicamente para ir para a cama com Bond e para uma interessante (e atualizada) homenagem a 007 Contra Goldfinger.

Por outro lado, Quantum of Solace acerta ao dar um passo à frente na construção do relacionamento entre Bond e M, algo que já havia sido “anunciado” em Cassino Royale. Como é dito no próprio filme em certo momento, a dinâmica entre os dois é quase de mãe e filho. M recrimina Bond, ele não dá a menor bola e os dois continuam se amando como antes. A relação entre eles resulta em alguns dos melhores momentos de Quantum of Solace – e não deixa de ser interessante ver uma personagem hermética como M em casa passando creme no rosto.

Abordando ainda um contexto político sobre o petróleo e o papel dos EUA nos regimes ditatoriais sul-americanos, Quantum of Solace é um filme com seus próprios méritos, mas pálido em comparação ao seu antecessor. Possui bons diálogos, cenas de ação bem realizadas e um ótimo protagonista, mas nada acrescenta ao que havia sido apresentado dois anos atrás. Se Cassino Royale foi uma revolução na série, a nova produção não passa de simplesmente mais um – ainda que eficiente – exemplar.

Nota: 7.0

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Monday, November 17, 2008

ANTES QUE O DIABO SAIBA QUE VOCÊ ESTÁ MORTO


Antes que o Diabo Saiba que Você Está Morto (Before the Devil Knows You’re Dead)
EUA, 2007
Sidney Lumet mostra que ainda tem muito a oferecer com esta história sobre crime, culpa e família. Com tema semelhante a O Sonho de Cassandra, de Woody Allen, o filme apresenta irmãos tendo que lidar conseqüências de seus erros. Os personagens são bem construídos, mas as atuações são inconstantes. Se Phillip Seymour Hoffman brilha, Ethan Hawke exagera nos trejeitos, impedindo mais compreensão de sua angústia. Sobre um bom roteiro, Lumet cria clima de tensão, mas comete deslizes, como a desnecessária quebra da cronologia. Ainda assim, um interessantíssimo trabalho do veterano cineasta.

Nota: 7.0

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ÚLTIMA PARADA 174

Brasil, 2008
De forma crua e realista, Bruno Barreto apresenta a história de Sandro Nascimento, responsável por uma das repercutidas tragédias recentes no Brasil, o seqüestrado do ônibus 174. Bem dirigido, Última Parada 174 transmite com eficácia a falta de perspectiva do protagonista, simbolizando boa parte da sociedade brasileira. Para Barreto, Sandro também é uma vítima e suas ações são resultado de um país que o abandonou. A desmistificação do bandido pode gerar polêmica, mas é válida por gerar discussão. Infelizmente, o filme perde ao criar personagens e coincidências que não coadunam com o tom realista, e o clímax passado no ônibus é decepcionante.
Nota: 7.0

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Monday, November 10, 2008

ROCKNROLLA


RocknRolla - A Grande Roubada (RocknRolla)
Inglaterra/EUA, 2008
Realizador dos excelentes Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes e Snatch – Porcos e Diamantes, Guy Ritchie sumiu depois da bobagem Destino Insólito. Este RocknRolla é o seu retorno à forma. Ainda que a trama não seja tão inventiva e os personagens tão carismáticos quanto nos seus primeiros filmes, a produção é bem amarrada e conduzida, mantendo a fórmula de tramas paralelas. Novamente, os truques de câmera e edição são destaque, garantindo agilidade à narrativa, e o bom humor é constante, apesar de mais contido. O cineasta já fez melhor, mas RocknRolla é um filme divertido e interessante.
Nota: 7.0

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QUEBRANDO A BANCA


Quebrando a Banca (21)
EUA, 2008
Supostamente baseado em uma história real, Quebrando a Banca tem um ponto de partida interessante, mas derrapa no roteiro e nos clichês. Para se ter uma idéia, o espectador jamais entende como funciona o golpe dado pelos estudantes nos cassinos. Além disso, a estrutura é previsível, tanto o arco dramático do personagem principal quanto o insosso romance. Por outro lado, Quebrando a Banca tem alguns bons momentos e boas atuações, com o carisma de Jim Sturgess, a sempre ótima presença de Kevin Spacey e a beleza de Kate Bosworth. Não merece recomendação, mas está longe de ser um desastre.
Nota: 5.5

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Wednesday, November 05, 2008

Obama e Ebert.

Querendo ou não, a eleição do presidente norte-americano tem muita influência em nossas vidas. O que acontece na maior potência econômica e bélica do mundo reflete diretamente em todo o mundo. Por isso, acompanhei com certa proximidade toda a campanha de Obama e McCain – ainda que não consiga entender o processo eleitoral dos ianques em sua totalidade.

E posso dizer que venceu o meu candidato favorito.

McCain seria mais do mesmo. Seguiria as mesmas políticas de Geroge W. Bush. Talvez com um pouco mais de inteligência, mas o caminho seria igual. Obama é a mudança. Não somente por ser o primeiro presidente negro, apesar deste ser um fato inegavelmente importante, mas por encarnar, ao menos no discurso, aquilo que o resto do mundo espera do líder do país mais importante do planeta.

Pensei em escrever um texto desenvolvendo estas minhas idéias. No entanto, deparei com um posto do blog de Roger Ebert, um dos mais renomados críticos de cinema dos EUA, explicando porque ele acredita que Obama será o presidente ideal para o seu país. Muitos dos pontos defendidos por Ebert são exatamente iguais aos meus, com a credibilidade de morar lá.

Sem mais, segue o texto publicado por Ebert em seu blog. Tirando um ou outro momento ufanista, como o final, é uma bela avaliação sobre este novo país que surge com Obama.

Assim esperamos.

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This land was made for you and me.

As the mighty tide swept the land on Tuesday night, I was transfixed. As the pundits pondered red states and blue states, projections and exit polls, I was swept with emotion. Not because America was "electing its first Black president." That comes a little late in the day. It was because America was electing the right President.

Our long national nightmare is ending. America will not soon again start a war based on lies and propaganda. We will not torture. We will restore the rights of freedom of speech, freedom of privacy, and habeas corpus. We will enter at last in the struggle against environmental disaster. Our ideas will once again be more powerful than our weapons. During the last eight years, the beacon on the hill flickered out. Now the torch will shine again.

We will bring our troops home, in the right way. Am I against the war? Of course. Do I support our troops? Of course. They were sent to endanger their lives by zealots with occult objectives. More than 4,000 of them have died. Even more lives have been lost by our coalition forces than by our own.

Do I blame George Bush? At the end of the day, I don't know that I really do. I agree with Oliver Stone that Bush never knew he had been misled until it was too late. I blame those who used him as their puppet. The unsmiling men standing in the shadows. On Tuesday the righteous people of America stood up and hammered them down.

Lots of people stayed up late Tuesday night. They listened McCain's gracious, eloquent concession speech. He was a good man at heart, caught up in a perfect storm of history. He had the wrong policies and the wrong campaign. At the end, let me tell you about a hunch I have. In the privacy of the voting booth, I think there is a possibility that Condolezza Rice voted for Obama. Her vote might have had little to do with ideology. She could not stomach the thought of Vice President Palin.

I stayed up late. As I watched, I remembered. In 1968 I was in the streets as a reporter, when the Battle of Grant Park ended eight years of Democratic presidents and opened an era when the Republicans would control the White House for 28 of the next 40 years. "The whole world is watching!" the demonstrators cried, as the image of Chicago was tarnished around the world. On Tuesday night, the world again had its eyes on Grant Park. I saw tens and tens of thousands of citizens with their hearts full, smiling through their tears. As at all of Obama's rallies, our races stood proudly side by side, as it should be. We are finally, finally, beginning to close that terrible chapter of American history

President Obama is not an obsessed or fearful man. He has no grandiose ideological schemes to lure us into disaster. He won because of a factor the pundits never mentioned. He was the grown-up. He has a rational mind, a steady hand, and a first-rate intelligence. But, oh, it will be hard for him. He inherits a wrong war, a disillusioned nation, and a crumbling economy. He may have to be a Depression president.

What gives me hope is that a great idealistic movement rose up to support him. Some say a million and a half volunteers. Millions more donated to his campaign. He won votes that crossed the lines of gender, age, race, ethnicity, geography and political party. He was the right man at a dangerous time. If ever a president was elected by we the people, he is that president.

America was a different place when I grew up under Truman, Eisenhower and, yes, even Nixon. On Tuesday that America remembered itself, and stood up to be counted.

"This land is your land,
This land is our land,
From California, to the New York island.
From the redwood forests, to the Gulf Stream waters—
This land was made for you and me."

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Tuesday, November 04, 2008

Falatório.

Sei que é difícil alguém acreditar, mas, de uma hora para outra, as coisas começaram a falar comigo. Objetos mesmo. Não eram vozes que eu ouvia somente na minha cabeça. Nada disso. Nunca tive delírios ou alucinações em toda a minha vida. Simplesmente, criei uma habilidade especial de poder conversar com os objetos. Aquela história do Dr. Dolittle com os animais, eu tinha com seres inanimados.

Começou com o espelho do banheiro. Foi na saída do banho. Saia do chuveiro pelado quando ouvi uma voz:

- Que nojo...

Porra, dei um pulo. Moro sozinho e, até onde sabia, não havia ninguém em casa. Eu com o meu pacote ali, sacudindo, ainda molhado, completamente desarmado. Pensei que era algum ladrão ou um voyeur homossexual, que por alguma razão quis me ver nu. Mas não. Era o espelho.

- Sim, é contigo mesmo – repetiu ele.

- Olhei em volta, ainda apavorado. Não conseguia identificar a origem da voz.

- Não tem ninguém aqui. Sou eu mesmo, o espelho – disse novamente.

- Espelho? Desde quando você fala? – indaguei.

- Sempre falei. Mas só agora você consegue ouvir. E vai ouvir.

- Mas...

- Só escute: não quero mais ver isso. Tenho o direito de recusar a refletir sua imagem. Peço demissão.

- Como assim? Por quê?

- Por quê? Olhe-se em mim, rapaz. Você está gordo, flácido, cheio de pêlos, repleto de manchas pelo corpo. Acha que eu gosto de ter que reproduzir visão tão grotesca?

- É o seu papel, ora. Você é ou não é um espelho?

- Sou, mas...

- Então escute você: cale a boca e faça seu trabalho ou eu quebro-o em milhares de pedacinhos.

Virei o jogo. Era só o que faltava, um espelho me chamando de feio. Saí do banheiro, enquanto ele continuava falando sozinho. Sequei-me, fui ao quarto e sentei na cama.
- Ei, ei, calma lá!

- Levantei de súbito. Era o colchão.

- Você também? – perguntei, já mais não tão surpreso.

- Eu também o quê? – redargüiu ele. – Não sei do que você está falando, mas já aviso que chega. Não vou mais agüentar você sobre mim.

- Mais um... – desabafei, já me cansando da situação.

- Mais um o quê? Nem vem, sou um colchão muito macho, cara. Quero garotas de vinte anos sobre mim, não um quarentão com mais de cem quilos que me deixa cheio de suor.

- E o que você vai fazer em relação a isso?

- Eu? Não sei ainda. Não pensei nisso – disse o colchão.

- Então fica na tua antes que eu te jogue em algum lixão.

Escapara por cima mais uma vez. Havia dado uma boa lição no espelho e no colchão. Não poderia aceitar essa revolução das coisas. Precisava me impor. Foi o que fiz, também, com o lápis.

- Estava fazendo anotações em minha agenda quando ouvi uma voz. Nada tinha a ver com o timbre imponente do espelho e do colchão. Essa era uma voz desesperada, quase de choro:

- Por favor, deixe-me viver.

- Lápis, é você?

- Sim. Deixe-me viver.

- Como assim? – perguntei.

- Não escreva comigo, por favor. A cada novo dia, fico menor. Estou desaparecendo. E você ainda me faz passar por cirurgias quase todo dia.

- Cirurgias? – não entendi o comentário em um primeiro momento. Então percebi: - Ah, você diz o apontador?

- Sim. Por que me tortura assim?

- Olha, lápis, não é tortura, mas eu preciso escrever. Seu trabalho é nobre.

- Nobre?

- Claro. Você é responsável por fazer o mundo funcionar. Por registrar documentos, anotações, contas, cartas de amor. Sem você e seus irmãos, o mundo não andaria. Você vai morrer em breve, mas será por uma boa causa.

Dito isso, o lápis se acalmou. Compreendeu o significado de sua existência. Eu começava a perceber que os objetos podiam falar, mas eram burros.

Até então, estava me virando legal com meus novos poderes. Tinha escapado com sabedoria das reclamações do espelho, do colchão e do lápis. No entanto, até ali, eles haviam falado comigo de forma educada. Deram-me espaço para argumentar. Os problemas realmente começaram quando os objetos começaram a se manifestar quase juntos. Não tive nem chance de responder.

Começou com a televisão. Dizia ela que eu só assistia porcaria. Antes que eu pudesse responder, o livro entrou na discussão, comentando que televisão era abobrinha mesmo, que conteúdo de verdade estavam em suas páginas. Enquanto o bate-boca entre os dois prosseguia, saí da sala em direção à cozinha.

Mal entrei no cômodo, a geladeira disse que estava fedendo em função dos alimentos fora da validade. Falava que merecia mais respeito da minha parte. Enquanto isso, o microondas dizia que ela não sabia o que era sofrimento. A geladeira vivia ali, naquele clima fresco, enquanto ele sofria de calor. A geladeira não tinha idéia de como era insuportável ter que se aquecer diversos graus em pleno verão.

O falatório era gigantesco. Com os dedos nos ouvidos, corri para o quarto e procurei meu protetor de ouvidos. Coloquei-os, acreditando me ver livre de tudo aquilo.

- Eca, quanta cera.

Esqueci que os protetores também eram objetos.

Pensei em sair de casa. Mas não iria adiantar. O que quer que tivesse despertado isso, não desapareceria assim. Ouviria objetos também fora de casa, tinha certeza. Precisava fazer alguma coisa.

Optei por escrever esse texto. Se eu seria levado à insanidade por esses objetos que não fecham a matraca, pelo menos deveria deixar um registro do acontecimento. Precisava contar às pessoas. Com uma capacidade de concentração fora do normal, redigi essas linhas. Talvez não tenha ficado bom, mas é o que se pode fazer com discussões, perguntas e comentários ao seu redor.

Mas não revisarei o texto. Não agüento mais este computador reclamando de cansaço no meu ouvido.

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Monday, November 03, 2008

LINHA DE PASSE


Linha de Passe
Brasil, 2008
O mais recente trabalho de Walter Salles e Daniela Thomas é um filme digno de admiração, mas difícil de gostar. Os cineastas acertam no desenvolvimento dos personagens, construindo pessoas que poderiam existir – e certamente existem – fora das telas. Além disso, o elenco impecável colabora para a identificação entre personagens e público, o que transmite com eficiência a realidade daquelas pessoas. No entanto, a narrativa é arrastada e repetitiva, e algumas das lições de moral presentes na obra soam forçadas. Linha de Passe é mais um bom filme de Salles, mas não o melhor.
Nota: 6.5

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UM BEIJO ROUBADO


Um Beijo Roubado (My Blueberry Nights)
Hong Kong/França/EUA, 2007
Primeiro trabalho em língua inglesa do consagrado Wong Kar-Wai, Um Beijo Roubado é um filme adorável e gostoso de se assistir. Ainda que a estrutura de um romance sem romance cause estranheza, a direção se destaca ao evitar clichês e construir um road movie com poucas características de um. O ritmo é lento, as interpretações são sutis e os personagens críveis, ainda que tenham pouco tempo em tela. O entra-e-sai de pessoas acaba quebrando um pouco a narrativa, mas Um Beijo Roubado é uma boa e diferenciada opção para quem está cansado de assistir às mesmas fórmulas de sempre.
Nota: 7.0

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AS CRÔNICAS DE SPIDERWICK


As Crônicas de Spiderwick (The Spiderwick Chronicles)
EUA, 2008
As Crônicas de Spiderwick
nada mais é do que outra produção que tenta pegar carona no recente sucesso de filmes de fantasia, como O Senhor dos Anéis, As Crônicas de Nárnia e Harry Potter. De certa forma, é até bem-sucedido. O trabalho de Mark Waters, baseado em uma série literária, é divertido e possui boa parcela de imaginação, enquanto as atuações de Freddie Highmore e da sempre ótima Mary-Louise Parker colocam um pouco de sentimento na história. Ainda assim, é um filme bastante infantil e rápido, sem a tentativa de tornar o mundo fantástico mais crível, além de apelar para cenas de correria e ação sem muita graça.
Nota: 6.0

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