Viagem Literária

Apenas uma maneira de despejar em algum lugar todas aquelas palavras que teimam em continuar saindo de mim diariamente.

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Location: Porto Alegre, RS, Brazil

Um gaúcho pacato, bem-humorado e que curte escrever algumas bobagens e algumas coisas sérias de vez em quando. Devorador voraz de livros e cinéfilo assumido. O resto não interessa, ao menos por enquanto.

Monday, March 30, 2009

Patriotismo Tricolor

Então eu assisti ontem ao jogo da seleção. Sem muito ânimo, ainda de ressaca da noite anterior. Parei à frente da TV mais por inércia, porque final de semana sem futebol na telinha não dá. E o que vi foi uma das coisas mais pavorosas dos últimos tempos. Vergonhoso. A equipe formada por Dunga exalava apatia por todos os poros. Altitude? Aceito que ela colabore para prejudicar a apresentação de um atleta, mas nada justifica o fiasco feito ontem pelos jogadores. Ronaldinho parece jogar por obrigação, Robinho continua se achando sem apresentar nada e Felipe Melo na seleção? Tá bom...

Ninguém questiona o fato de que o resultado foi uma das maiores injustiças futebolísticas dos últimos anos. Júlio César encarnou nossa barreira chamada Victor e pegou tudo. Ou melhor, quase tudo, porque no gol equatoriano ele não tinha muito o que fazer. E os jogadores do Equador pareciam querer imitar o ataque gremista, pressionando, criando chances e não conseguindo fazer a pelota repousar nas redes. Foi, a exemplo do que escrevi após Grêmio e Universidad, uma chacina sem vítimas. Um verdadeiro massacre equatoriano em cima dos apavorados canarinhos.

Mas estou me enrolando. Esse é um espaço sobre o Grêmio, não para comentar a seleção brasileira. Fiz essa abertura falando sobre o jogo de ontem porque me dei conta de algo em meio à partida. Na verdade, sempre soube disso, mas ontem ficou mais claro. O que estou querendo dizer para vocês é que simplesmente não existe comparação entre os sentimentos que temos pela seleção e os que temos pelo clube de nosso coração.

Tudo bem que falo por mim. Isso é como eu sinto e não posso afirmar que esses meus sentimentos sejam os mesmos para outras pessoas. Mas, sinceramente, não dou a menor bola para o que acontece com a seleção. Em época de Copa do Mundo, torço para o Brasil. Não com o entusiasmo do Galvão Bueno e de 97% dos brasileiros, mas torço, sim, para que a nossa seleção tenha um bom desempenho e vença. No entanto, é só. Em tudo o mais, o que acontece com a seleção brasileira de futebol é completamente indiferente para mim.

Tomemos a partida de ontem como exemplo. Não fiquei bravo, raivoso ou indignado com a apresentação. Fiquei com vergonha, claro. Sou brasileiro, afinal de contas. Mas só. Quando o Grêmio perde – ou tem uma atuação como a do Brasil ontem -, fico mal após a partida. Tenho a sensação de alguém importante para mim, como um parente ou amigo, passa por um sério problema. A indignação por não poder fazer nada cresce e a raiva de ver a minha mística camisa representada de maneira pífia domina o corpo. Tenho certeza de que o mesmo acontece com todos vocês.

E nada disso aconteceu ontem. Após o apito final do árbitro, apenas indiferença. Por quê? Simplesmente porque a seleção brasileira não é meu time. Não é o distintivo da CBF que faz parte da minha vida desde criança. Meu patriotismo, no futebol, não é verde e amarelo. É azul, preto e branco. Meu país é o Olímpico. Meus conterrâneos são os gremistas. Minha História é a História de Lara, de Foguinho, de Alcindo, de Tarciso. Meus heróis são Baltazar, Renato, Jardel, Felipão.

Essa é a minha nação. Esse é meu orgulho. Não um grupo de jogadores deslumbrados que se reúnem para tocar pagode e dizerem que representam um país. Minha paixão vai para uma camisa listrada em três cores, vestida por homens de fibra e honra capazes de compreender tudo o que ela significa. Os meus sentimentos – de raiva, de felicidade, de indignação ou da mais pura paixão – vão para esse clube capaz de gerar tanto ódio dos outros quanto acumular glórias e faixas no peito. Essa é a minha identidade. Essa é a minha cultura.

Antes e mais do que brasileiro, sou, acima de tudo, gremista.

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Texto publicado hoje no site www.finalsports.com.br.

Friday, March 27, 2009

Espera.

Jéssica acordou com frio. Uma sensação gélida percorria seu corpo, fazendo-a tremer o maxilar. Tentou se mexer, mas não conseguiu. Assim que forçou um movimento, sentiu dor. Dor nos músculos dos braços, dor nas pernas. Dor no lado esquerdo da cabeça, como se tivesse levado uma pancada. Abriu a boca para gritar, igualmente sem resultado.

Respirou fundo e tentou a entender o que acontecia.

Estava nua, deitada dentro de algo que parecia ser uma banheira. O frio que sentia vinha do contato da superfície fria da porcelana contra a sua pele desnuda. Seus braços tinham sido amarrados para trás, assim como as pernas. A corda era áspera e machucava seus pulsos e canelas. Na boca, uma mordaça não a deixava emitir sons.

Jéssica estava imóvel. Apenas seus olhos estavam livres e podiam se mexer sem problemas. Mas, de sua posição imobilizada, ela não conseguia se erguer acima do topo da banheira para enxergar algo.

O desespero começou a tomar conta de Jéssica. As lágrimas afloraram mesmo contra a sua vontade. O que teria acontecido? Não lembrava de nada. Sua última recordação era estar entrando no carro após ter parado no supermercado. Depois, nada.

Ficou com medo. Parecia ter sido sequestrada. Mas, por quem? Por quê? Jéssica começou se mexer. A gritar. Mesmo sem resultados, continuou. Precisava fazer algo. Necessitava sair daquele lugar. Não podia continuar ali, à mercê do que quer que estivesse para acontecer. Seguiu tentando se mover. O corpo doía todo, provavelmente pelo longo tempo permanecido na posição desconfortável. A cabeça latejava, como se estivesse sendo constantemente alvejada por algo pesado.

Finalmente, conseguiu alguma coisa. Não se libertou das cordas, mas teve sucesso em se arrastar até a borda da banheira. Ergueu-se o máximo que pôde. Enfim, seus olhos conseguiam, ao menos, enxergar o lugar onde estava presa.

Era um banheiro. Das duas lâmpadas no teto, apenas uma estava completamente acesa. A outra, quebrada, ligava e desligava em intervalos constantes. Uma porta com madeira rachada permanecia fechada a poucos metros de Jéssica. No lado oposto de onde se encontrava, uma pia velha posicionava-se abaixo de um pequeno armário com espelho quebrado. O chão era sujo, com marcas vermelhas e algo que parecia ser areia.

Jéssica gritou mais uma vez. Clamava por socorro, mas apenas grunhidos saíam através da mordaça. Chorou novamente, enquanto se esforçava para escapar de dentro da banheira. Tentou de todas as formas. Por longos minutos, fez o máximo de esforço que pôde para se livrar das amarras.

Desistiu, exausta. Não havia o que pudesse fazer.

Poucos minutos após, ouviu passos.

Eram ruídos pesados, que faziam ranger a madeira do assoalho e tremer a casa toda.

Os passos foram ficando cada vez mais fortes. Então, a porta se abriu.

Jéssica pensou em voltar para a posição inicial na banheira, escondida. Mas não faria diferença. Quem quer que estivesse entrando, sabia que ela estava ali. Provavelmente, teria sido o responsável por Jéssica estar naquela posição. Por isso, não se mexeu. Apenas observou.

Dois homens entraram. Sérios, feios, sujos. Jéssica mais uma vez tremeu de medo. Se ainda tinha esperanças de que eles pudessem ser pessoas civilizadas, tudo se dissipou ao bater os olhos naqueles dois. O que entrou primeiro era um pouco gordo, careca e vestia uma camiseta sem mangas e calças jeans, com os pés descalços. O de trás era um pouco mais apresentável. Alto, porte ereto, barba rala. Vestia calça social e uma camisa azul clara e carregava uma pasta.

Praticamente sem respirar, Jéssica acompanhou o movimento dos dois. Eles nem olharam para ela. Pareciam não saber que ela estava ali. Ou, simplesmente, não davam a menor importância. Jéssica olhou quando o mais magro colocou a mala sobre a pia. O gordo parou ao lado dele e bloqueou a visão de Jéssica. Eles pareciam retirar algumas coisas de dentro, coisas que Jéssica não conseguia ver o que era.
- Como vamos fazer? – perguntou o gordo.

- Como sempre fizemos – o outro respondeu, desanimado.

Permaneceram em silêncio por alguns instantes, esvaziando a pasta. Jéssica pôde ver algo brilhante e prateado sendo colocado sobre a pia, mas não conseguiu definir a forma.

O gordo falou novamente:

- Me dá uns minutos antes com ela. Não precisa muito. Só eu e ela um pouco.

O outro não se manifestou. Apenas olhou nos olhos do companheiro, como se dissesse: “De novo com esse papo?”

- Cinco minutos. Só isso – insistiu o gordo.

Sem resposta, o gordo começou a se exaltar. Deu um soco na pia e esbravejou:

- Porra! Por que tem que ser sempre como você quer? Sempre foi assim, desde quando éramos crianças! Você sempre me dizia o que fazer e eu ia lá e fazia! Não pode ser uma vez como eu quero!?

De forma praticamente instantânea, o magro deu um tapa na cara do gordo. Com a parte de fora da mão, esbofeteou o rosto do outro, que deu dois passos para trás e olhou para seu agressor, assustado.

- Chega! – exclamou o magro. Depois, mais calmo: – Sempre foi como eu quis porque eu sei o que fazer. Se não fosse por mim, já teríamos sido pegos. Então, cale a boca e faça o que eu mandar.

O gordo parecia ter se acalmado. A mão esquerda estava na face, aquecendo o local onde havia levado a pancada. Ele permanecia olhando, com o rosto repleto de medo, para aquele que Jéssica imaginava, agora, ser o irmão. Parecia submisso ao outro.

Então, pela primeira vez, o gordo olhou para Jéssica.

Instintivamente, Jéssica desviou o olhar. Um sentimento de vulnerabilidade passou por seu corpo. Estava nua, amarrada, à mercê de dois homens que não conhecia. Dois homens que, certamente, planejavam fazer algo com ela.

As lágrimas novamente encheram os olhos. Voltou o olhar na direção dos homens e viu o gordo. Agora, ele não estava mais com medo. Estava em pé, confiante, certo de si. Tinha uma expressão assustadora no rosto e olhava fixamente ao magro, que estava de costas para ele.

Lentamente, retirou algo do bolso de sua calça suja.

Uma faca.

Jéssica arregalou os olhos. Voltou a se debater dentro da banheira, gritando. Nada mais do que ruídos.

- Faça ela calar a boca – disse o magro para o irmão.

O gordo não hesitou. Mal o irmão terminou a frase, a faca foi cravada até o punho em suas costas. A força do golpe fez com que seu corpo fosse jogado para frente, de encontro à pia, derrubando tudo o que havia colocado em cima.

Jéssica percebeu que eram aparelhos cirúrgicos e de corte. Tudo destinado a ela.

Mas não se sentia aliviada. Pela primeira vez, havia presenciado um assassinato e estava desesperada. Via por trás das lágrimas o magro se contorcendo e indo de encontro ao chão, enquanto seu sangue sujava ainda mais aqueles azujelos que um dia haviam sido brancos. Ao seu lado, o irmão apenas observava, como se estivesse aliviado por ter feito algo que deveria ter feito há muito tempo.

Alguns segundos depois, o magro parou de se mexer. Apenas o sangue continuava a se expandir, cobrindo uma área cada vez maior do banheiro. Seu corpo estava estático.

Morto, pensou Jéssica.

Agora, era ela e o outro.

Somente os dois.

Ela, nua e amarrada.

Ele, um assassino.

Jéssica não parava de chorar. Tentava encontrar mais forças para arrebentar a corda que a amarrava, para tirar a mordaça, mas nada conseguia.

Viu quando o gordo se abaixou e retirou a faca do corpo do irmão. O sangue pingava da lâmina sobre a camisa azul do morto.

Pela segunda vez, o gordo olhou para ela. E permaneceu olhando enquanto caminhava na direção da banheira. O sorriso no rosto anunciava o prazer que sentiria nos próximos minutos. Quase por instinto, limpava a lâmina da faca na calça jeans.

Jéssica se encolhia cada vez mais, como se fosse possível se esconder. Chorava sem parar, tentando imaginar o que teria feito para merecer aquilo. Seu corpo tremia, agora não mais de frio, mas puro medo. Não olhava mais para fora da banheira. Apenas ouvia os passos do homem cada vez mais próximos.

Então, um forte som.

Um tiro.

Logo depois, o ruído de algo pesado caindo no chão.

E silêncio. Por longos instantes, silêncio. Nada mais.

Pouco a pouco, Jéssica começou a se recompor. Precisava descobrir o que havia acontecido. Ergueu-se até o topo da banheira e viu o gordo, a pouco mais de um metro de onde ela estava, deitado no chão. Nas costas, um furo do qual o sangue não parava de escapar.

Olhou para o outro lado do banheiro e viu o magro, ainda estirado em meio à poça de seu próprio sangue, com um revólver na mão. Com suas últimas forças, havia conseguido atirar no irmão.

Agora, ambos estavam deitados, sem vida, próximos um ao outro.

Jéssica compreendeu que era a sua chance. Os dois estavam mortos. Precisava escapar. Se outras pessoas morassem na casa, certamente apareceriam em poucos segundos.

Forçou os punhos contra as cordas ásperas que prendiam suas mãos atrás das costas. Sentiu as felpas penetrando sua pele e o calor do sangue escorrendo por seus dedos. Forçou seu corpo já cansado de dores para erguer-se ainda mais e escapar da banheira. Enquanto isso, gritava.

Mas todo o esforço era inútil. Jéssica não conseguia se mover. Seus sons não eram ouvidos através da mordaça. Nada podia fazer.

Mais uma vez, começou a chorar. Voltou a sentir o frio da porcelana contra a sua pele nua. A esperança que teve, por poucos instantes, ao ver os dois homens mortos, novamente deu espaço ao medo. Pensou em sua mãe, em sua irmã. Pensou em seu quarto. Em sua cama confortável.

Pensou que, agora, só restava esperar.

E esperar.

E esperar.

Wednesday, March 25, 2009

GRAN TORINO


Nos últimos anos, Clint Eastwoosd entrou em uma série de incríveis realizações, quase todas de altíssimo nível. Fazem parte dessa fase filmes como Sobre Meninos e Lobos, Menina de Ouro, Cartas de Iwo Jima, A Troca e esse último Gran Torino. De certa forma, Gran Torino dá continuidade à história de Clint no cinema, com um protagonista carrancudo, de poucas palavras e durão. No entanto, ao mesmo tempo, o filme desmistifica a trajetória de Clint, uma vez que o verdadeiro objetivo é mostrar as mudanças na forma de enxergar o mundo de Walt Kowalski. Clint, por vezes, exagera no retrato de Kowalski, quase transformando-o em uma caricatura. No entanto, o personagem tem tudo para se tornar um ícone, uma vez que sua rabugência e mau-humor soam corretos apenas para ele – tanto para os personagens quanto para o público, aquilo é patético, o que inclusive rende cenas engraçadas. Assim, os exageros de Kowalski servem de forma a facilitar a apreciação do espectador pelo protagonista, fazendo com que seja mais fácil torcer e acreditar na transformação dele. E essa mudança é realizada de maneira convincente pelo cineasta, que apresenta sem pressa alguma a aproximação entre Kowalski e seus vizinhos hmong, membros de uma etnia asiática. Ainda que os atores hmong deixem um pouco a desejar, a amizade entre eles jamais soa falsa e, por ser o centro da trama, realmente faz o filme funcionar. Clint utiliza seu estilo clássico e econômico de filmar para fazer de Gran Torino um belo filme sobre aprendizado e sobre tolerância, inclusive com um final perfeito, adequado a tudo aquilo que havia sido apresentado até então. Não é o melhor filme de Clint Eastwood e nem o melhor do ano, mas é um trabalho digno e acima da média de um cineasta maduro e cada vez mais seguro.

Nota: 8.0

Thursday, March 19, 2009

Jack Bauer Facts


Só não digo que 24 Horas é a melhor série da televisão porque existe Lost. Mesmo assim, o programa que apresentou Jack Bauer ao mundo é um projeto revolucionário, que ousou – e ainda ousa – quebrar padrões e regras da telinha, além de apresentar roteiros envolventes, tramas inteligentes e grandes personagens. Claro que, vez ou outra, os roteiristas exageram, mas 24 Horas consegue manter de maneira magistral um altíssimo nível de qualidade em todas as suas temporadas (atualmente, está na sétima), com surpresas e extrema ousadia.

Dentre todas essas qualidades, a maior delas está no verdadeiro achado que foi Jack Bauer. O (anti) herói, que começou como um amoroso pai de família, hoje é um homem amargurado, repleto de traumas e remorsos, que busca apenas uma forma de viver em paz. Jack já salvou os EUA – e o mundo – diversas vezes, mas sempre pagou um preço muito alto para isso, perdendo todos que amava, sofrendo física e psicologicamente e tendo que tomar decisões praticamente impossíveis. Mas, se o roteiro desenvolve o personagem de Jack Bauer de forma magistral, ele se tornou um ícone por um único e simples motivo: Jack é foda. Ponto.

Ao se tornar parte da cultura pop do novo século, Jack certamente seria alvo de brincadeiras e homenagens por parte dos fãs. E uma delas diz respeito ao Jack Bauer Facts. Lembram daquela brincadeira que começou há alguns anos com Chuck Norris, para mostrar o quanto ele era o cara? Pois é, Jack Bauer também entrou na onda. E os “fatos” sobre Jack são tão ou mais divertidos que aqueles de Norris, especialmente para quem é fã da série, pois só assim é possível compreender algumas das piadas.

Abaixo, listo algumas das que achei mais divertidas, mas quem acessar o site www.jackbauerfacts.com vai encontrar diversas outras.

Divirtam-se.

P.S.: meu computador travou duas vezes enquanto eu escrevia esse post. Jack Bauer não gosta que falem dele pelas costas.

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Jack Bauer Facts

Terroristas odeiam quando acaba o horário de verão. Jack Bauer tem um dia de 25 horas para matá-los.

Se Rosa Parks estivesse no assento de Jack Bauer, ela teria se levantado.

Se todos ouvissem Jack Bauer, o programa se chamaria 12 Horas.

Jack Bauer não precisa de um tradutor. Tortura é uma língua universal.

A munição de Jack Bauer nunca acaba. Ele apenas dá aos outros a oportunidade de brilhar.

Jack Bauer conseguiria sair de ilha de Lost em 24 Horas.

Uma vez, Jack Bauer esqueceu onde deixou as chaves. Ele passou a próxima meia hora torturando a si mesmo até que entregou a localização delas.

A guerra do Iraque vai acabar quando Jack tirar suas férias por lá.

1.6 bilhões de chineses estão furiosos com Jack Bauer. É uma briga justa.

O Bicho-Papão tem medo que Jack Bauer esteja em seu armário.

A única razão pela qual você está consciente agora é porque Jack Bauer não quer carregar você.

Matar Jack Bauer não o deixa morto. Apenas o enfurece.

Quando Kim Bauer perdeu a virgindade, Jack Bauer a encontrou e colocou de volta.

Quando a vida dá limões a Jack Bauer, ele mata terroristas. Jack Bauer odeia limonada.

Quando criança, Jack Bauer interrogou seus pais na Páscoa até que eles revelaram onde haviam escondido os ovos de chocolate.

Os dinossauros riram de Jack Bauer...

Jack Bauer é o motivo pelo qual Wally se esconde.

Se Jack Bauer fosse gay, ele seria Chuck Norris.

Jack Bauer encontrou Bin Laden. Depois, deixou-o escapar, e o encontrou de novo só por diversão.

Deus precisou de seis dias para fazer seu trabalho. Jack Bauer só tem 24 Horas.

Jack Bauer só precisaria de uma bala para matar 50 Cent.

Jack Bauer pode falar sobre o Clube da Luta.

Quando Jack Bauer, mija contra o vento, o vento se molha.

Jack Bauer é a causa de morte número 1 dos homens do Oriente Médio.

Monday, March 16, 2009

AS RUÍNAS


AS RUÍNAS (THE RUINS)
De Carter Smith. Com Jena Malone, Jonathan Tucker, Shawn Ashmore, Laura Ramsey e Joe Anderson.

Na vida de um cinéfilo, poucas coisas dão mais prazer do que ser realmente surpreendido por algum filme. Há um verdadeiro sentimento de satisfação em garimpar produções pouco conhecidas e descobrir uma pérola – seja essa o talento de um cineasta novato, a originalidade de um roteiro ou mesmo um ator que se sobressaia em uma produção medíocre. Por isso, devo dizer que fiquei feliz quando os créditos finais de As Ruínas começaram a rolar. Não pelo alívio de o filme ter chegado ao fim, mas, ao contrário, pelo fato de ter testemunhado algo diferenciado, especialmente em um gênero tão sem graça quanto os filmes de terror adolescentes.

Escrito por Scott Smith a partir de seu próprio livro (ele também o autor de Um Plano Simples, obra que deu origem ao filme dirigido por Sam Raimi), As Ruínas tem início com dois jovens casais em uma viagem de férias no México. No hotel onde estão hospedados, os quatro conhecem um rapaz alemão, que os convida a visitar as ruínas de uma pirâmide maia que não se encontra mapeada. Eles aceitam, dispostos a fazer algo além de ficar na praia e na piscina do hotel. Ao chegarem lá, porém, vêem-se isolados e presos nessa mesma pirâmide, tendo que lutar para sobreviver.

É muito fácil pré-julgar As Ruínas como mais um filme de terror adolescente idiota. A leitura da sinopse acima leva a isso. Afinal, a produção tem início semelhante a filmes como O Albergue e Turistas, por exemplo, apresentando um grupo de jovens viajando em um país estranho, envolvidos em uma situação que pode custar as suas vidas. No entanto, o roteiro de Scott Smith e o trabalho de direção de Carter Smith surpreendem, evitando o caminho fácil das meras tripas e sangue para voltarem o foco aos personagens e ao aspecto psicológico da situação na qual eles se vêem aprisionados, tornando a experiência de assistir a As Ruínas ago muito mais tenso e recompensador.

Em primeiro lugar, Smith despende um bom tempo no início de As Ruínas estabelecendo a dinâmica entre os personagens. Esse, como se sabe, é um recurso fundamental para que um suspense seja capaz de gerar tensão – se a platéia sente que conhece as pessoas do lado de lá da tela, a preocupação com o destino delas é maior. Ainda que o desenvolvimento do perfil e da personalidade de cada um dos jovens não seja profundo – pelo contrário, é até limitado – as primeiras cenas são eficientes na construção de um clima natural e realista no cenário: os jovens não se comportam somente como personagens, mas como jovens se comportariam em uma viagem de férias. Assim, o início de As Ruínas é bem-sucedido ao, pelo menos, criar identificação entre o público e aquele grupo de pessoas.

Felizmente, os lampejos de inteligência de Smith e do roteiro continuam no desenrolar da trama. Quando os protagonistas chegam à pirâmide, há, logo de cara, uma cena de morte que realmente surpreende o espectador – não somente pelo aspecto gráfico, mas pela forma com a qual ela acontece. Logo depois, os personagens encontram-se isolados no topo da pirâmide e é exatamente aí que, pouco a pouco, As Ruínas vai ganhando sua força. Carter Smith foge dos clichês do gênero ao evitar os momentos de susto repentinos, optando por construir uma tensão crescente focada mais nas pessoas do que nas mortes.

Essa é a maior qualidade de As Ruínas. O filme segue a linha de obras como O Senhor das Moscas e até Batman – O Cavaleiro das Trevas, tornando-se mais complexo do que parecia à primeira vista ao realizar um estudo sobre a natureza humana. Em As Ruínas, o grande objetivo não é mostrar os personagens sendo eliminados um a um ou como eles irão escapar, mas como pessoas normais reagem em situações extremas como essa. E tal transformação é realizada com bastante competência, de maneira gradual, uma vez que a platéia jamais duvida que eles poderiam realmente tomar as atitudes e decisões drásticas que tomam, mesmo que essas nada tenham a ver com os amigos felizes do início do filme.

A credibilidade da mudança pela qual os personagens passam deve muito também ao jovem, mas experiente elenco. Jonathan Tucker assume o papel do “líder” do grupo e acerta ao compor seu personagem em um misto de inteligência e arrogância. Já Shawn Ashmore cumpre seu papel, mas falha ao nada trazer de novo ao personagem, enquanto Laura Ramsey convence na espiral rumo à loucura pela qual Stacy passa. O grande destaque, porém, fica com a sempre talentosa Jena Malone (que já demonstrou sua capacidade em filmes como Lado a Lado e Galera do Mal), que faz de Amy uma garota vulnerável e com medo, mas que tenta manter a sanidade para sobreviver - exatamente como faria uma pessoa normal.

Por outro lado, se funciona na construção paulatina da tensão e no retrato da influência do evento nos personagens, As Ruínas derrapa em alguns exageros. Em primeiro lugar, os efeitos digitais são precários e é fácil diferenciar os momentos nos quais o filme apela para o computador e quando os efeitos são reais. Além disso, a questão das plantas assassinas rende momentos típicos de um filme B, que não condizem com a inteligência e maturidade no desenvolvimento do suspense (os instantes nos quais as flores “imitam” frases ditas pelos personagens são quase risíveis). E, para finalizar, algumas das atitudes tomadas pelos personagens parecem sem sentido, como para servir unicamente às conveniências do roteiro: não poderiam ter levado Mathias para mais longe das plantas, uma vez que ele já estava imobilizado?

As Ruínas está longe de ser um filme genial. Porém, ao se preocupar mais com o consequências do perigo no comportamento dos personagens do que com o perigo em si, Carter Smith fez de seu trabalho um mais que bem-vindo sopro de originalidade e conteúdo em um gênero praticamente assassinado por Eli Roth e Jigsaws da vida. Uma grata surpresa, com momentos genuínos de tensão, um deles envolvendo uma criança e outro uma cena de amputação. Merece ser descoberto.

Nota: 7.0

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Friday, March 13, 2009

A ex-namorada do amigo

- Ex-namorada de amigo meu, pra mim, tem tico.

Deco sempre dizia isso quando alguém perguntava porque ele não cedia às investidas da Susana.

- O Cabeça é meu amigo, cara. Quase meu irmão. Conheço o Cabeça há décadas e, mesmo que ele e a Susana já tenham acabado há anos, não dá pra fazer isso. Pra mim, ela é homem. Amiga e nada mais – justificava.

Mas era difícil de se conter. A Susana era uma morena que parecia esculpida em mármore por mãos artisticamente abençoadas. O rosto não era perfeito, mas chegava perto disso. Os seios de tamanho médio insinuavam-se firmes e esféricos. E as coxas. Ah, as coxas da Susana. Não havia homem que conhecia a Susana e não sonhava em ser abraçado por aquelas carnes.

Deco, porém, resistia. Todos sabiam o quanto Susana o desejava, inclusive ele e o próprio Cabeça. Mas as investidas de Susana não davam resultado. Contra todos os seus instintos, Deco não cedia às tentações daquela mulher irresistível.

- Vai, Deco. Vai em frente. Por mim, tá tranquilo – disse certa vez o Cabeça.

Mesmo com a permissão do amigo, ele não mudava de idéia. Mulher ou ex-mulher de amigo, jamais.

- Com tanta mulher no mundo, por que vou pegar alguém que um amigo meu amou? – dizia.

Jamais, no entanto, é uma palavra muito forte. E Deco veio a descobrir isso.

Há anos, ele se esforçava para resistir. Claro que também queria, mas ceder à Susana ia contra seus princípios. No entanto, naquele dia, foi diferente. Nenhum homem, heterossexual ou homossexual, resistiria à Susana naquele dia. Nenhuma mulher, para bem da verdade, resistiria à Susana naquele dia.

Ela estava simplesmente deslumbrante. Tinha escolhido usar uma maquiagem que escondia qualquer pequena imperfeição que pudesse haver em seu rosto. Os cabelos, longos e lisos, apresentavam um preto que reluzia a qualquer feixe de luz. O vestido branco demarcava seu corpo repleto de curvas, encerrando-se logo no início das coxas. E as coxas. Ah, as coxas da Susana.

Assim que a Susana entrou na festa da Mari, todos olharam para ela. Todos, sem exceção. Até o cachorro da Mari, preso no canil, virou a cabeça em direção à escultural Susana.

Em seguida, os olhares se voltaram para Deco. Todos, sem exceção. Eram olhares que pareciam dizer: “E agora? Como você vai resistir a tudo isso?”

Deco engoliu em seco. Ele viu que estava em uma enrascada. A situação era complicada. Sentiu-se mais encurralado do um hamburguer na mesa de um gordo. Tomou toda a cerveja que tinha na mão em um só gole.

Enquanto isso, Susana se movia. A garagem da casa da Mari nunca brilhou tanto como naqueles líricos segundos. Susana parecia não fazer esforço, como se impulsionada por uma força divina. Uma rajada de vento milagrosamente atingiu unicamente a ela, fazendo flutuar seus plácidos cabelos. O olhar fulminante estava fixado no rosto indefeso de Deco.

Ele tremeu.

Ela parou.

Parou na frente de Deco. Dona de todos os olhares do silente recinto, inclinou-se para frente. Esticou seus braços e envolveu o estático Deco em um abraço. Puxou-o para perto de si. Os seios de Susana encostaram no peito de Deco, como se estivessem dando uma amostra de tudo aquilo que ele estava perdendo. Susana pôs os lábios no ouvido de Deco e disse, com uma voz que mesclava a inocência de uma pré-adolescente com a luxúria de uma profissional:

- Oi, Deco.

Apenas isso. “Oi, Deco”. Nada além de um cumprimento.

Lentamente, Susana soltou sua vítima. Sempre com o olhar fixo na reação de Deco, separou seu corpo do dele. Suas duas mãos delicadamente perfeitas pousaram nos ombros de Deco. Ele não conseguia reagir. Ninguém conseguia. Susana deu mais um sorriso. Deco perdeu a força nas pernas. Cambaleou. Susana virou o rosto e se afastou.

A música na festa havia parado sem ninguém notar. As atenções todas ficaram voltadas para aquele cumprimento. Para Susana e para Deco. Ela, agora, caminhava, ciente de sua atração, para um canto da garagem. O vestido preto parecia querer se rasgar, ávido por apresentar aos presentes a beleza daquilo que escondia.

Susana seguia em sua melíflua caminhada. Deco foi um dos primeiros a notar para onde ela ia. Sentando em uma cadeira de madeira junto a uma mesa, estava um rapaz que Deco não conhecia. Poucos pareciam conhecer, pois ele estava sozinho, saboreando a sua cerveja gelada. Com um sorriso no rosto, acompanhava o caminhar de Susana. Ela seguia em direção a ele e, assim como fizera com Deco, parou a poucos centímetros do desconhecido e inclinou-se para a frente.

Então, diante do olhar estupefato e atônito dos homens e das mulheres, Susana beijou-o.

Não foi um beijo ardente ou de paixão, mas um mero toque dos lábios. Um selinho. Foi, porém, o suficiente para que todos se voltassem novamente para Deco. Ele seguia a comoção geral, acompanhando a cena de boca aberta. Não sabia o que pensar. Não queria pensar. Apenas reagia.

Susana sentou-se no colo do homem. E, com o canto daqueles olhos hipnotizantes, deu uma rápida espiada em Deco. Foi um átimo, um microssegundo, mas suficiente para Deco perceber o que tudo aquilo significava.

Ela estava tentando causar ciúmes. Era isso. Levara um acompanhante apenas para ver a reação de Deco. Para despertar nele um desejo de posse daquele corpo que todos queriam possuir.

Deco respirou pela primeira vez após vários minutos. Para si mesmo, disse graças a Deus. Agradeceu aos céus por Susana ter levado outro. O plano dela não daria certo. Deco não estava com ciúmes. Estava aliviado.

Por uma simples razão.

Naquele dia, ele teria cedido.

Qualquer um teria.

Novamente, agradeceu. Agradeceu a Susana. Agradeceu aos céus. Agradeceu ao desconhecido jovem que surgiu de algum lugar para salvá-lo. Agradeceu por poder manter os seus princípios.

Agradeceu porque, para ele, como todo mundo estava cansado de saber, ex-namorada de amigo tinha tico.

QUEM QUER SER UM MILIONÁRIO?


Grande vencedor do Oscar 2009 (levou os carecas de Melhor Filme, Melhor Direção, Melhor Roteiro e outros cinco), Quem Quer Ser um Milionário? está destinado a entrar no rol de produções injustamente premiadas com a láurea mais importante do mundo do cinema. Não que seja um filme ruim; não o é. No entanto, mesmo com diversas qualidades, Quem Quer Ser um Milionário? é uma obra com alguns problemas e que jamais faz algo além de deixar um sorriso no rosto do espectador. Danny Boyle e o roteirista Simon Beaufoy adotam uma estrutura narrativa interessante, fazendo com que cada pergunta do jogo que o protagonista participa leve a um flashback para contar sua história. A opção oferece um certo dinamismo ao filme e oportuniza um trabalho mais destacado de edição, especialmente nas transições entre os tempos paralelos. No entanto, se ganha destaque após algumas primeiras idas e vindas no tempo, essa estrutura acaba se tornando óbvia a partir da metade, já que não surpreende mais. Danny Boyle é bem-sucedido ao imprimir uma direção enérgica a Quem Quer Ser um Milionário?, especialmente nas cenas passadas na favela (e os cortes rápidos e ângulos inusitados justificam, sim, a lembrança a Cidade de Deus, de Fernando Meirelles). Mais do que isso, porém, o grande mérito do trabalho de Boyle é o tom de esperança que coloca na trama. É difícil para o espectador sentar-se passivo na cadeira diante da jornada de Jamal – inevitavelmente irá torcer por ele. Por essa razão, as críticas ao fato de Meirelles glamourizar e suavizar a miséria e a pobreza são meras altercações sem sentido. O objetivo do cineasta e do próprio filme é exatamente transmitir essa mensagem de amor e de esperança, de que mesmo nas piores condições é possível acreditar em seus sonhos, ainda que este esteja no destino. Quem Quer Ser um Milionário? apresenta a pobreza e as terríveis condições de milhões de pessoas na Índia, mas, acima de tudo, é um filme para cima, que transmite à platéia uma sensação de felicidade e bem-estar. A direção de Boyle consegue isso, mas é uma pena que o faça através de um roteiro simplista e maniqueísta. A abordagem a diversos personagens é unidimensional – os vilões são apenas malvados e os mocinhos são apenas bonzinhos –, provavelmente com o objetivo de reforçar o aspecto de vítima de Jamal. Além disso, algumas soluções encontradas são fáceis demais, sem qualquer fundamento, como a súbita e incompreensível transformação de um personagem que ajuda Latika no final da história. O próprio romance é previsível e, de certa forma, cafona, pontuado por alguns diálogos pavorosos, como quando Latika pergunta a Jamal: “Viveremos de quê?”. Ele apenas responde: “De amor”. Ainda assim, Quem Quer Ser um Milionário? é um filme que cativa e faz bem ao espectador, que se vê torcendo por Jamal e emocionado no final. Uma pena que use de uma breguice exagerada e deslizes do roteiro para chegar a isso.

P.S.: Freida Pinto, a Latika, é absurdamente linda.

Nota: 7.0

Wednesday, March 11, 2009

WATCHMEN - O FILME


WATCHMEN – O FILME (WATCHMEN)
De Zack Snyder. Com Patrick Wilson, Malin Akerman, Billy Crudup, Jackie Earle Haley, Carla Gugino e Matthew Goode.


Antes de qualquer coisa, já aviso que nunca li a graphic novel de Alan Moore e Dave Gibbons. Conheço, claro, a sua influência não somente nos quadrinhos, mas em toda a cultura pop, e sei da importância da obra. Porém, nunca a tive em minhas mãos e somente comecei a realmente descobrir quem eram o Dr. Manhattan, Rorschach e o grupo dos Vigilantes há pouco tempo, quando começaram a sair as primeiras notícias sobre Watchmen – O Filme. Assim, essa minha análise baseia-se única e exclusivamente no filme dirigido por Zack Snyder – o que não deixa de ser uma vantagem, por permite uma análise mais distanciada, fundamentada unicamente nas qualidades cinematográficas da produção.

Então, vamos em frente. Watchmen, para quem não sabe, é baseado em uma graphic novel revolucionária publicada em meados dos anos oitenta, considerada até hoje uma das maiores – se não a maior – obra do gênero. A história se passa em uma espécie de realidade alternativa, na qual os EUA venceram a Guerra do Vietnã e Richard Nixon continua presidente. Nesse cenário, os super-heróis uma vez fizeram parte do dia-a-dia da sociedade americana através dos Vigilantes, um grupo de homens e mulheres fantasiados que combatia o crime. É quando, diante da iminente guerra nuclear entre EUA e União Soviética, os antigos Vigilantes começam a ser eliminados, o que os leva a novamente se unirem para descobrir a verdade.

Dirigida por Zack Snyder, responsável pelos ótimos Madrugada dos Mortos e 300, e escrita por David Hayter e Alex Tse, a versão cinematográfica de Watchmen está longe de ser considerada um filme ruim, mas é, indiscutivelmente, uma produção terrivelmente irregular. A obra oscila de maneira ininterrupta em diversos elementos, seja no ritmo, na indecisão pelos gêneros e até no nível de qualidade das atuações. A maior impressão é a de que o trabalho de Snyder sofre do “Mal de Harry Potter” (ainda que, repito, eu não tenha lido a HQ de Moore e Gibbons): parece haver uma reverência extrema e uma necessidade absurda de ser fiel ao material original, esquecendo o fato de que se tratam de duas mídias diferentes e, portanto, nem sempre o que dá certo em uma vai dar certo em outra.

Assim, é extremamente incômodo o caráter episódico adotado pelo diretor e pelos roteiristas. Se a estrutura em flashbacks utilizada para realizar uma longa apresentação de cada personagem funcionava no original, no filme ela apenas causa sérios problemas de ritmo à narrativa. A trama em si permanece completamente parada à medida que, primeiro, o espectador conhece a história do Comediante, depois é apresentado ao passado de Manhattan, depois ao de Júpiter, e assim por diante. Parece que Watchmen é um filme dividido em capítulos dedicados a cada um dos personagens, enquanto o verdadeiro enredo a ser contado é esquecido. Com isso, o ritmo é quebrado diversas vezes, prejudicando a fluidez narrativa e, conseqüentemente, tornando Watchmen até cansativo em determinados momentos.

O enredo principal igualmente é prejudicado por essa estrutura. Como o tempo dedicado ao passado dos personagens é desnecessariamente longo, a trama envolvendo a investigação de Rorschach sobre a morte do Comediante parece realizada de maneira veloz e abrupta. O clima noir pode ser eficiente e garantir a atenção da platéia, mas os fatos descobertos e o quebra-cabeças montado pelo personagem jamais fazem muito sentido. Por exemplo, a tal da empresa da Pirâmide é citada, mas seu envolvimento nunca é detalhado – e o mesmo acontece com as outras pistas. Na realidade, o tempo oferecido à busca de Rorschach é tão pequeno que fica a impressão de ele ter descoberto duas ou três pistas e resolvido todo o caso.

E os problemas do texto de Hayter e Tse não param por aí. Provavelmente boa parte das falhas resulte da dificuldade de transformar uma obra de doze capítulos em um filme de pouco mais de duas horas e meia, mas ainda assim são pontos que prejudicam a apreciação de Watchmen. Um destes casos concerne a indignação da população com os Vigilantes, o que acaba levando à ilegalidade de suas ações. O roteiro não deixa claro ao espectador as razões que despertaram o ódio do povo, deixando o assunto solto em meio à obra. Além disso, diversas outras questões permanecem sem resposta ao público não-familiarizado com a obra de Moore e Gibbons: por que e como a máscara de Rorschach fica mudando a figura? Que estrutura é aquela que Manhattan construiu em Marte? E por que razão? Que diabos era aquele “tigre” de Ozymandias e qual a função dele para a trama? Aliás, que diferença faz o Comediante à história? Sua morte dá partida à trama e não havia a necessidade de tanto tempo dedicado ao personagem (e o papel desempenhado por ele na revelação em Marte é previsível e tratado de maneira melodramática).

Estas são indagações que Snyder e os roteiristas colocam à platéia, mas jamais apresentam respostas. Novamente, talvez elas estejam na graphic novel, mas permanecem no ar na versão cinematográfica. O mesmo vale, por exemplo, para o final, no qual o vilão encontra disposição para contar todo o seu plano aos heróis. Tudo bem que há um toque de originalidade no fato de ele explicar tudo sem que os mocinhos possam fazer mais alguma coisa, mas não deixa de ser um dos lugares-comuns mais irritantes do cinema – ainda que o momento renda um dos melhores diálogos do filme: “Está achando que eu sou um vilão de histórias em quadrinhos?”. Os diálogos, aliás, são mais um exemplo da irregularidade de Watchmen. Eles variam entre o ótimo, como quando Manhattan fale sobre um planeta não necessitar de vida para seguir em frente, e o pavoroso: “Jon vê tudo, menos a mim”.

Por outro lado, o roteiro também acerta em diversos pontos, principalmente na visão desiludida em relação ao mundo e à natureza humana. Essas reflexões, vindas em grande parte das divagações de Manhattan e do ódio de Rorschach, são inseridas de forma orgânica à trama, e completam de maneira perfeita o visual sujo adotado por Snyder. Ao mesmo tempo, o final abraça um toque de esperança, ainda que esta venha de uma bem-vinda reflexão que leva à derradeira questão: os fins justificam os meios? Mas talvez o grande acerto de Watchmen é sua brilhante desconstrução da mitologia dos super-heróis, apresentando-os não necessariamente como protetores da paz e do bem-estar da humanidade, mas como seres até certo ponto egoístas, com seus próprios motivos e razões para desempenharem tal papel.

Se acerta nesses pontos, Snyder ainda realiza outras diversas opções questionáveis. Uma delas diz respeito à utilização de músicas bastante reconhecidas do público em momentos-chave de Watchmen. Novamente, o resultado é irregular, com tantos acertos quanto erros. Por exemplo, a escolha em colocar The Sound of Silence no funeral do Comediante dá certo pelo simples fato de ser uma música belíssima e a utilização de The Times Are A-changin’, de Bob Dylan, na maravilhosa sequência dos créditos iniciais se justifica, por retratar a mudança pela qual os personagens passam. Em contrapartida, o aproveitamento de All Along the Watchtower, de Jimi Hendrix, apenas desvia a atenção da platéia, enquanto Hallelujah de Leonard Cohen é tocada somente para a realização de uma piadinha sem graça – e que termina ainda mais apelativa com uma metáfora visual relacionada ao fogo.

Snyder também realiza uma escolha duvidosa ao insistir em exibir o pênis de Dr. Manhattan. Sim, o pênis daquele ser azulado é quase um personagem do filme (sorte que não aparece quando Manhattan vira gigante), o que me leva a crer que acontecia também na obra original. Ainda assim, por surgir também em momentos cruciais da trama, o órgão azulado acaba distraindo a platéia de forma desnecessária (na sessão em que assisti ao filme, muita gente riu disso em momentos importantes). Ao mesmo tempo, a utilização da violência e do sexo soam gratuitas e fora de propósito diante de um filme de super-heróis, mesmo tratando-se de um filme de super-heróis adulto. Tais cenas não parecem fazer parte da obra, posicionando-se novamente como meras distrações para o público.

Essa mescla de gêneros contribui de forma exponencial para a irregularidade de Watchmen. Snyder parece jamais encontra a abordagem adequado para seu filme, combinando momentos de comédia típica do trio ZAZ (a já comentada cena do fogo na nave), reflexões existencialistas, cenas que apelam unicamente para crianças (como a patética salvação das crianças no incêndio), violência extrema, fantasia (com o Manhattan “gigante”) e até instantes de semi-pornô. O resultado é uma verdadeira miscelânea que jamais encontra o tom correto, transmitindo a impressão ao espectador de que ele está assistindo a vários filmes dentro de um só – ou, ao menos, um filme que tenta amarrar gêneros diversos.

Tal questão fica muito clara no conflito entre o realismo e o lado mais fantasioso da trama. Estes dois valores antagonistas estão sempre presentes em Watchmen, como se o filme tivesse dificuldade em se definir. Snyder parece querer exagerar, mas, ao mesmo tempo, sabe que a história pede um clima mais realista, das ruas. Assim, ele mantém os pés no chão quando mostra a investigação de Rorschach ou o dia-a-dia comum dos antigos heróis, mas foge completamente desse tom quando dá aos Vigilantes força e poderes quase sobre-humanos e apresenta Richard Nixon como uma verdadeira caricatura (e com uma maquiagem horrível). A oposição entre esses dois pontos é uma constante que incomoda e jamais parece resolvida para a platéia.

Snyder, no entanto, demonstra novamente toda a sua capacidade técnica na composição dos quadros e, principalmente, na construção das cenas de ação. O cineasta tem a capacidade de utilizar a câmera lenta de forma a realçar a dramaticidade do momento, e não apenas de maneira gratuita. Assim, Watchmen conta com algumas boas – ainda que altamente estilizadas – cenas de ação, cujo impacto é realçado pelos impecáveis efeitos especiais. É o caso, por exemplo, da sequência de abertura com a morte do Comediante ou a visualmente fantástica explosão nuclear que devasta toda a cidade de Nova York. Snyder pode não ter encontrado a coesão em sua narrativa, mas o filme enche os olhos a cada momento.

Mas os altos e baixos continuam no campo das atuações. O sempre inexpressivo e nada carismático Patrick Wilson continua sem merecer qualquer atenção com Daniel, enquanto Matthew Goode e Malin Akerman seguem pela mesma escola de interpretação: o primeiro não demonstra apelo mesmo no clímax, onde poderia se esbaldar; e a segunda nada faz além de aparecer linda. Por outro lado, Billy Crudup acerta no tom de voz calmo e reflexivo de Manhatann e Jeffrey Dean Morgan aparece bem como o Comediante. Mas o maior destaque no terreno das interpretações fica mesmo por conta de Jackie Earle Haley, que brilha especialmente nos momentos em que Rorschach tira a máscara, realmente fazendo o espectador acreditar na alma atormentada do personagem.

Watchmen é, em resumo, um filme problemático, que parece cometer um erro para cada acerto. A história apresenta, sim, diversas idéias que geram reflexão, mas a obra peca pela fidelidade cega ao original, oscilando perigosamente entre os gêneros e adotando uma estrutura repleta de falhas, que não permite a narrativa fluir com naturalidade. Os fãs do trabalho de Moore e Gibbons provavelmente vão adorar a adaptação. Aos demais, como eu, resta um filme que merece aplausos pela ousadia e pelos objetivos que tenta alcançar, ainda que fique longe de atingir a maioria deles.

Nota: 5.0

Monday, March 02, 2009

FORÇA POLICIAL


FORÇA POLICIAL (PRIDE AND GLORY)
De Gavin O’Connor. Com Edward Norton, Colin Farrell, Noah Emmerich, Jon Voight e Jennifer Ehle.


Não é de hoje que histórias centradas em departamentos de polícia fazem parte do cenário cinematográfico. Seria difícil afirmar com precisão quando policiais corruptos e investigações criminais chegaram pela primeira vez às telas, mas é fácil perceber que esse gênero (ou subgênero) tem se tornado cada vez mais frequente, ainda que nem sempre gere filmes de qualidade. No entanto, vez ou outra surgem produções capazes de surpreender e atingirem seus propósitos mesmo dentro de um tema batido como esse. Força Policial, conquanto nada apresente de original, é um desses casos.

Escrito por Joe Carnahan (Narc), Greg O’Connor e o também diretor Gavin O’Connor, Força Policial conta a história de uma família que trabalha na polícia de Nova York. Quando quatro de seus colegas são mortos em uma tentativa de prisão, Francis, o pai (interpretado por Jon Voight), chama seu filho Ray (Norton) para fazer parte da força-tarefa que cuidará do caso, ainda que o policial esteja há anos longe das ruas. O grande problema é que os tiras mortos faziam parte do Departamento comandado pelo seu irmão de Ray, Fran (Emmerich), enquanto o cunhado Jimmy (Farrell) revela-se como um dos principais suspeitos.

Força Policial tem início de maneira bastante irregular, especialmente no que concerne à investigação do incidente que dá início à trama. Os fatos e revelações são apresentados de forma abrupta, corrida, o que dificulta a compreensão e o acompanhamento da narrativa por parte do espectador. Além disso, a montagem falha ao proporcionar mais tempo de projeção a determinados personagens e deixando outros em segundo plano; Jimmy, por exemplo, fica um bom período sem aparecer, o que é indesculpável tendo em vista o fato de ele ser um dos protagonistas do filme.

No entanto, aos poucos o diretor Gavin O’Connor vai colocando sua obra nos trilhos e Força Policial começa a envolver a platéia, inclusive surpreendendo por mostrar mais conteúdo do que parecia à primeira vista. O grande acerto do trabalho de O’Connor e dos roteiristas diz respeito à construção dos personagens, praticamente todos bem delineados e defendidos por atores de talento. Ray, por exemplo, é um homem que perdeu muito em função de um erro cometido no passado, e se encontra novamente tendo que lidar com esse trauma ao voltar às ruas. Mais do que isso, é um policial correto, que se vê diante de um dilema ao ir mais fundo na investigação – e Edward Norton, com seu talento característico, é hábil ao transmitir a vulnerabilidade do personagem.

Enquanto isso, Toby Emmerich, sempre um bom ator, talvez apresente aqui a interpretação mais completa de toda a sua carreira. Com o apoio de um roteiro que oferece bastante recurso para o desenvolvimento do personagem, Emmerich faz de Franny um homem encurralado diante de algo que nem é tanto sua culpa. O aspecto trágico do personagem ganha ainda mais força quando a platéia percebe a dedicação que ele oferece à esposa doente e, principalmente, o quanto se sente derrotado pelo fato de tê-la decepcionado. Aqui, aliás, cabe também tecer loas à interpretação de Jennifer Ehle que, com pouquíssimos segundos em cena, é responsável por dois dos momentos mais belos e tocantes da produção: a cena na qual recebe um presente do marido e o comovente instante no qual chora ao perceber que não possui mais muito tempo ao lado dos filhos.

O mais surpreendente em relação ao elenco, porém, talvez seja a intensidade com a qual Jon Voight interpreta seu personagem. Mesmo sendo um profissional de comprovado talento, há anos Voight não demonstrava dedicação a um papel. Em Força Policial, o ator deixa o método caricatural de lado para oferecer densidade a Francis, um homem de profundo amor e consideração pelos seus filhos, mas decepcionado diante dos fatos que se apresentam, tentando de todas as formas manter a família unida. Voight possui alguns ótimos momentos no filme, como a sua conversa com Emmerich ao perguntar se ele sabia de tudo o que acontecia.

Por outro lado, o também talentoso Colin Farrell é prejudicado pela pouca atenção que o roteiro dedica ao seu personagem, principalmente quando comparado à cuidadosa construção dos demais. Força Policial trata Jimmy como nada mais do que um marginal com a vestimenta de policial, sem oferecer qualquer sinal do motivo que levou um pai de família amoroso a agir de tal forma. Verdade que Farrell ainda traz intensidade ao papel, mas em um roteiro que apresenta personagens com certo grau de complexidade, o retrato composto de Jimmy não deixa de ser unidimensional e, até certo ponto, uma decepção.

Essa, porém, é uma das poucas vezes que o roteiro age de maneira rasa. Força Policial demonstra profundidade insuspeitada ao apresentar diversos dilemas morais ao longo de suas pouco mais de duas horas, colocando os personagens em situações difíceis e escolhas quase impossíveis de serem tomadas. Além disso, a produção ainda trata de forma respeitável outras questões que oferecem densidade à trama, como o sentimento de remorso, culpa, e a reflexão de sobre como apenas um deslize pode definir o restante de nossas vidas – e a forma pela qual seremos julgados pelos outros.

O’Connor e seus roteiristas ainda acertam ao evitar o risco de construir toda a narrativa como uma forma de descobrir quem é o verdadeiro vilão. Esse é um recurso cada vez mais batido e que pode voltar-se contra o próprio filme se não for muito bem amarrado (vide o recente As Duas Faces da Lei), e os cineastas optam por deixar claro desde o início, ao menos para o espectador, quem está por trás dos acontecimentos – no entanto, demoram para revelar o que aconteceu e os motivos para isso, mantendo o interesse da platéia no desenrolar da história. Com essa escolha, O’Connor faz de Força Policial não um filme sobre investigação, mas o conto de uma família se desestruturando, deixando o enredo policial como pano de fundo.

Tudo isso é contado de maneira intensa, nervosa. O diretor apela para uma paleta de tons frios e utiliza sua câmera em constante movimento, realçando a desolação dos personagens e a urgência que a história pede. Além disso, O’Connor ainda se destaca em momentos específicos, como o tenso plano-sequência que acompanha Franny entrando no prédio após o tiroteio inicial, a cena de Sandy no carro do repórter e as já citadas participações de Jennifer Ehle, captadas com extrema sensibilidade pelo cineasta.

Mas Força Policial não deixa de lado algumas derrapadas que poderiam facilmente ter sido corrigidas caso fosse comandado por um cineasta mais experiente. É o caso, por exemplo, da patética e desnecessária briga final entre dois personagens, na qual o tom realista é deixado de lado para uma lutinha confusa e sem graça. O roteiro ainda cai em alguns clichês e furos, como a cena do jantar (será que não existe outra maneira de mostrar uma família feliz do que com todos à mesa?) e o personagem do jornalista, que entra como se fosse desempenhar importante papel na trama, mas acaba praticamente esquecido.

De qualquer forma, mesmo com sua parcela de problemas, Força Policial ainda é um filme digno e competente, que faz jus ao gênero que já rendeu obras como Serpico, O Gângster e Os Infiltrados. O trabalho de Gavin O’Connor nada traz de original, mas é apresentado com vigor, em uma trama eficiente, com personagens fortes e bem construídos. Em outras palavras, oferece muito mais do que se vê por aí.

Nota: 7.0

A verdade.

Como qualquer outro trabalhador que passa o dia inteiro fora de casa para ganhar o dinheiro necessário ao sustento, Jefferson só queria entrar em sua residência, tirar os sapatos, deitar no sofá e relaxar assistindo qualquer porcaria na televisão. Esse, ao menos, era o seu plano até abrir a porta de casa.

Logo que entrou, achou estranho o fato de todas as luzes estarem apagadas. Afinal, sua esposa Denise deveria estar em casa e, a não ser que estivesse muito enganado, tinha certeza de ter visto o carro dela na garagem. Mas a casa estava tomada pela escuridão, salvo alguns feixes brancos de luz que vinham da rua e iluminavam parcamente a sala.

Jefferson, porém, notou algo ainda mais estranho do que a penumbra que tomava a casa. Percebeu um som baixo e constante. Enquanto entrava, ainda antes de acender a luz, deu-se conta de que se tratava de um lamento. Choro. Alguém chorava em sua casa, com as luzes todas apagadas.

Já preocupado, Jefferson acendeu a luz e olhou em volta.

- Denise, o que foi? – exclamou, ao enxergar a esposa sentada em uma cadeira, com o rosto afundado nos dois braços sobre a mesa de jantar.

Ela nada respondeu e Jefferson correu em sua direção. Assim que encostou a mão nas costas de Denise, ela repeliu-o, jogando o corpo para o lado.

- Não toque em mim! Não chegue perto de mim! – Denise gritou, em uma voz que exprimia ao mesmo tempo tristeza, decepção e raiva incontida.

Jefferson afastou-se, meio que por instinto.

- O que houve, Denise? O que aconteceu?

Denise, pela primeira vez, levantou o rosto para encarar o marido. Seus olhos estavam tomados por lágrimas e as bochechas assumiam um tom vermelho.

- Como você teve coragem, Jefferson? – perguntou, de forma mais calma. – Como pôde fazer isso comigo após doze anos de casamento?

- Denise, do que você está falando? O que foi que eu fiz?

Ela olhou para Jefferson por mais alguns instantes. A sensação dele era a de que estava sendo avaliado. Em seguida, Denise abriu a bolsa e tirou de dentro um papel. Era, como ele percebeu em seguida, a fatura de um cartão de crédito.

Denise entregou o papel ao marido e pôs o indicador em um determinado ponto da fatura.

- Leia isso.

Jefferson leu.

- Motel Intimidade. Dia vinte e dois de março. Cento e doze reais.

Segurou o papel diante dos olhos por alguns instantes, tentando entender o que aquilo significava. Denise acusava-o de tê-la traído no tal Motel Intimidade.

- Denise... – começou a justificar.

- Nem tente, Jefferson – interrompeu Denise. – Nem tente. Não quero ouvir qualquer explicação.

- Mas Denise... – ele tentou novamente.

- Não! – gritou ela, levantando-se da mesa e colocando o dedo em riste. – Não! Não mereço ouvir desculpas! Seja homem e admita o que fez!

- Denise, eu não sei o que isso significa. Juro que nunca a traí.

- Ah, Jefferson, por favor. Quer contestar isso que está comprovado aí?

- Eu não sei o que é isso. Deve ser um erro do cartão. Denise, eu não fiz isso.

- Não, eu que fiz, Jefferson. Eu que passo o dia cuidando de nossos filhos, arranjei um tempo pra conhecer um homem e ir a um motel. Fui eu, Jefferson? É isso que você está dizendo?

- Não, claro que não. Não estou dizendo que foi você. Estou dizendo que não fui eu. Denise, você é tudo para mim. Sempre foi. Jamais traí você desde que nos conhecemos e não tenho a menor vontade. Não preciso disso. Só preciso de você – Jefferson começava a chorar também.

Denise começou a ficar em dúvidas.

- Então o que é isso, Jefferson? Como a conta de um motel veio aparecer em seu cartão de crédito?

Ele balançou a cabeça em negativa.

- Não sei, juro que não sei. E você não acha estranho alguém que estivesse traindo a esposa pagar motel com um cartão de crédito cujo extrato ela sempre olha?

- Ah, então quer dizer que o melhor é não pagar com cartão de crédito? Você sabe disso? Sabe como disfarçar, Jefferson? Sabe como enganar a esposa?

Jefferson levantou-se também. Os dois agora estavam pé, a poucos metros um do outro.

- Não, Denise. Eu só disse o que penso. Ninguém faria assim. Quem faz isso deve cuidar melhor para não deixar pistas.

- E quem disse que essa não pode ser sua tática? Esfregar na minha cara e dizer que, se fosse verdade, jamais pagaria com o cartão de crédito?

Jefferson desistiu de argumentar. Sabia que aquela discussão não chegaria a lugar algum. Caminhou até o sofá, em silêncio, e sentou-se. Pôs os braços sobre os joelhos e disse, da maneira mais sincera que conseguiu.

- Denise, eu nunca a traí. Nunca. Jamais. Estamos juntos há quase quinze anos e nunca tive outra mulher. Sempre confiamos um no outro e peço que confie em mim agora. Não a traí com outra mulher no Motel Intimidade. Juro.

Novamente, Denise não soube o que responder. Seu coração queria acreditar no marido, mas não conseguia esquecer a prova naquela fatura.

- Jefferson, preciso de um tempo para pensar. Na verdade, não sei o que pensar. Eu não quero, não posso acreditar que, no ano em que completamos doze anos de casados, você seria capaz de...

Denise simplesmente interrompeu seu discurso. Ficou olhando para o chão por alguns segundos e, logo depois, correu em direção à mesa. Pegou novamente o extrato do cartão e leu o que estava escrito ali.

Subitamente, começou a rir. O ódio, a tristeza e a decepção que dominavam seu corpo alguns segundos antes deram lugar à hilaridade. Denise ria, e ria com vontade. Jefferson permanecia pasmo no sofá, sem entender o que acontecia. Não compreendia a repentina mudança de humor da esposa.

- Denise, o que foi? – perguntou, levantando-se.

Ela continuava dando risada. Entregou a fatura a Jefferson e disse:

- Jefferson, você esteve naquele motel. E acompanhado de uma mulher.

Ele começou a se defender.

- Não, Denise. Juro que...

- Calma! – interrompeu Denise. – Deixe-me terminar. Você esteve naquele motel. Esteve com uma mulher. Fez sexo com ela – disse. Após uma pausa, completou: – Sei disso porque a mulher era eu.

Jefferson arregalou os olhos. Não encontrou sentido naquilo que a esposa dizia. Ela prosseguiu:

- Querido, veja a data. Vinte e dois de março. Lembra de algo?

Ele puxou pela memória, esforçou-se e finalmente lembrou.

- Nosso aniversário de casamento?

- Sim! – ela disse, rindo. – Nosso aniversário de casamento! Nosso aniversário de doze anos. Lembra do que fizemos?

- Saímos para jantar, Denise. Lembro que foi uma ótima noite. Deixamos as crianças na sua irmã e fomos naquele ótimo restaurante perto da casa dela. Comemos bem, bebemos bastante e depois... – ele parou por um instante, pensativo.

Em seguida, os dois disseram ao mesmo tempo:

- E depois fomos ao motel!

Ambos riram. Em seguida, abraçaram-se e beijaram-se, como em alívio.

- Desculpe, querido. Não deveria ter desconfiado de você.

- Não precisa se desculpar, Denise. Você só ficou decepcionada, eu entendo.

- Nunca mais vou agir assim.

- E agora? – perguntou ele. – Que fazemos?

- Que tal uma comemoração? – ela sugeriu. – As crianças ainda estão naquele passeio escolar.

- Adorei a idéia – Jefferson disse. E acrescentou: - Desde que seja em casa.

Baseado em uma história real.