Viagem Literária

Apenas uma maneira de despejar em algum lugar todas aquelas palavras que teimam em continuar saindo de mim diariamente.

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Location: Porto Alegre, RS, Brazil

Um gaúcho pacato, bem-humorado e que curte escrever algumas bobagens e algumas coisas sérias de vez em quando. Devorador voraz de livros e cinéfilo assumido. O resto não interessa, ao menos por enquanto.

Thursday, October 30, 2008

Desapego.

Começou com a televisão. Quarenta e duas polegadas. Preta. LCD. Ainda não paga. Até foi simples. Utilizou o bastão de ferro que servia para mexer na lareira. Apenas três golpes. Dois deles diretamente na tela e um no meio, disparado na vertical, de cima para baixo. O aparelho não ofereceu a menor resistência.

Em seguida, partiu para o DVD. Última geração. Com aquele “R” de gravável. Fino, pequeno, cabia em qualquer lugar. Fácil de carregar. Não usou armas. Pegou o minúsculo equipamento com as duas mãos e lançou-o de encontro ao chão. Nem precisou de muita força. As peças voaram para todo o lado. Limparia depois.

O sofá foi a vítima seguinte. Recém-quitado. Três lugares. Desnecessário, pois morava sozinho e raramente recebia visitas. O couro ainda cheirava a novo. Foi com uma faca. Apunhalou o móvel mais de uma centena de vezes. Estripou-o. Sobraram trapos. Retalhos. Pedaços de um sofá espalhados pelo chão.

Abriu o armário. Ternos, sapatos, gravatas. Mais de cem reais por um pedaço de pano sem utilidade que envolvia o pescoço. Mais de mil reais em ternos usados não mais que três ou quatro vezes. Com tesoura na mão, picotou-os. Estes e outros mais. Todos. Sem dó. Em tiras, quadrados. Fez até bonequinhos. De seda.

Circulou pela casa. Vitimou todos os órgãos da residência nesta fúria incontrolável. Nada sobrou. Em poucos minutos, faleceram os dois computadores e todos os seus periféricos, a cama king size, o aparelho de som com milhares de megawatts. Foi-se o iPod Nano, a geladeira frost free e até o gel para cabelo.

Depois, saiu de casa. O encerramento. O grand finale. Na garagem, um Honda. Civic. Prateado. Nem cem quilômetros rodados. Nem um arranhão. Brilhava ainda. Por dentro, o típico cheiro de carro novo. Nada de papéis pelo chão ou folhetos entregues em semáforos. Impecável. Até o primeiro contato com o pé-de-cabra enferrujado.

Primeiro, no pára-brisa. Mais frágil do que se imaginava. Depois, sinaleiras. As quatro. Passou para os vidros. Portas. As quatro, também. Capô, porta-malas. Largou o pé-de-cabra para se rearmar com a faca. Rasgou os bancos de couro. O rádio, quebrou com a mão. O GPS e o DVD, também. O Honda não estava mais limpo. Mas ainda mantinha o cheiro de novo.

Terminado o serviço, saiu da garagem em direção à frente de casa. Se é que aquilo ainda poderia ser chamado assim. Nada mais havia ali dentro. Passara a vida construindo a casa perfeita. Comprando. Cada item. Só o melhor. Lançamentos. Trabalhando para ter. Agora, não tinha mais.

Sentou-se na guia da calçada. Olhou para as outras casas ao redor, com pessoas vivendo suas vidas dentro de cada uma . Olhou para a sua. Suspirou.

Surpreendeu-se.

Continuava respirando.

Continuava, talvez mais do que nunca, vivo.

Tuesday, October 28, 2008

A ILHA DO TESOURO


A Ilha do Tesouro
Robert Louis Stevenson
Obra de estréia de um dos mais reconhecidos escritores escoceses, A Ilha do Tesouro é uma divertida aventura que conquistou leitores em todo o mundo ao longo dos séculos. A história de piratas em busca do tesouro em uma ilha deserta possui todos os ingredientes necessários para uma obra do gênero: vilão com perna-de-pau, papagaio que fala, mapa com um “x”, motim entre marinheiros e muito mais. Mas o que garante o sucesso de A Ilha do Tesouro é mesmo a narrativa de Stevenson, que cria personagens inesquecíveis e situações empolgantes. Diversão garantida para todas as idades.

AWAKE - A VIDA POR UM FIO


Awake – A Vida por um Fio (Awake)
EUA, 2007

Ainda que parta de uma premissa interessante – pacientes conscientes no meio de uma cirurgia –, Awake – A Vida por um Fio é uma imensa bobagem. O principal problema é que a idéia central não tem importância qualquer para a narrativa, soando totalmente descartável. O diretor Joby Harold até tenta achar uma função para ela, criando momentos ainda mais dispensáveis com o protagonista em uma espécie de limbo. Para piorar, Hayden Christensen e Jessica Alba são atores fracos, que não conseguem carregar o filme. Há uma ou outra surpresa interessante na trama, mas fica apenas nisso.
Nota: 5.0

Monday, October 27, 2008

Urnas e televisões.

Pode parecer estranho para quem me conhece e sabe que sou viciado em cinema, mas a maioria dos filmes que assisti foi em uma televisão de quatorze polegadas. Sabem aquelas dois em um, com vídeo? Pois é, uma daquelas. Como meu quarto é pequeno e a distância entre minha posição de sedentário e a tela também não é grande, nunca senti grandes problemas nesse sentido.

Há aproximadamente um ano e meio, minha irmã se mandou para a Austrália. Prontamente, roubei a televisão vinte polegadas dela e coloquei no meu quarto. Na verdade, nem fui eu, foi um amigo meu, certa vez que fomos jogar videogame e ele se indignou com o tamanho minúsculo do meu aparelho. Desde então, assisti centenas de filmes, seriados, jogos de futebol e sei lá o que mais nessa televisão.

Acostumei, claro.

Há cinco, seis meses, minha irmã retornou da terra dos cangurus. Porém, com trabalho, faculdade, festas e essas coisas que consumem tempo, neurônios e fígados, ela pouco parava para assistir tevê em seu quarto. Assim, o aparelho continuou comigo nestes meses, já que eu aproveitava mais do que ela, enquanto a moça ficou com o meu embutido de quatorze polegadas.

Pois bem. Semana passada, ela botou teta. Para se recuperar da cirurgia, precisava ficar de repouso, em casa, por alguns dias. Então, com a autoridade de uma nova siliconada, exigiu sua televisão de volta. Voltou ao meu quarto minha velha e pequena companheira, já com o controle estragado, o vídeo falecido e, como descobri depois, a entrada do cabo de vídeo também indisposta a trabalhar.

Tive que abrir a mão para comprar uma. Ontem, domingo de eleições, trânsito caótico, fui parar no BIG para escolher a minha nova caixinha de imagens. Até aí tudo bem, apesar de ser três e pouco da tarde e eu ainda não ter cumprido o meu dever cívico para com a nossa democracia, cujo prazo final era cinco horas. Sem problemas, era escolher o aparelho, pagar e ir mexer naquelas urnas que mais parecem um Pense Bem.

Claro que a Lady Murphy começou a atuar. Inevitável. Primeiro, escolhi uma de vinte e uma polegadas. A moça que me atendeu se mandou pro estoque. Dez minutos de espera e ela volta, suada, esbaforida, dizendo que não tinham mais aquele modelo. Optei, então, por outra. E lá se manda ela de novo, naquele BIG sem ar-condicionado e com um calor de quase trinta graus. Enquanto isso, em conversas com minha mãe e minha tia, fui convencido de que valia mais a penas comprar uma de vinte e nove polegadas. Como avisar a pobre vendedora?

Esperamos a moça voltar. Eu, já pensando em como justificar meu voto. Problemas como tecnologia é um bom motivo? Quando voltou, largamos a notícia de que tínhamos trocado. Pude ver a raiva nos olhos dela. O suor pingando da testa. O lábio inferior tremendo de fúria. Por pouco ela não desistiu da venda. Se fosse garçonete, teria cuspido na comida. Tenho certeza. Pelo menos a televisão não estragaria com um cuspe. Acho eu.

E lá foi ela de novo até o estoque. Voltou com o aparelho. Um trambolho que nem cabia no carrinho de compras. Pagamos e, no caminho até o carro, lembrei-me de algo: eu não tinha ido de caminhonete. Não. Nem um Marea ou um carro grande qualquer. Tínhamos ido, em três pessoas, no meu Corsinha Wind. Claro que tínhamos esquecido da logística. Entraria aquele caixote gigantesco no carro? Enquanto isso, Fogaça e Maria já furiosos comigo por não ter votado. O tempo se esgotava.

Primeiro, tentamos o porta-malas. Sem chance. Acho que não conseguiria nem transportar o corpo de um anão naquele espaço. Em seguida, banco de trás. Mas o carro era duas portas e não tinha como entrar. Banco do carona? Entrava, mas trancava a caixa de câmbio e seria impossível dirigir. Até aí, já estávamos encharcados de suor. Minha tia perdeu um naco de carne do dedo. Jorrava sangue por todo meu carro. Minha mãe, calma como sempre, amaldiçoava o mundo. E eu tentava achar uma solução.

Abrir a caixa, claro. Tirar o papelão e carregar apenas a televisão. Foi o que fizemos, não sem dificuldade. Claro que ainda assim não coube. As pessoas que chegavam no local já se aglomeravam para assistir à ação. Reuniam-se em torno da gente com o objetivo de se divertir. Alguns já comiam pipoca. Fotos eram tiradas. A torcida nos incentivava. Um homem começou a pegar dinheiro para apostar sobre se conseguiríamos. O pessoal das câmeras de segurança deve ter se divertido à beça.

Baixamos o banco do carona ao máximo. Tanto que achei termos quebrado o encosto. Mas, finalmente, a televisão entrou. Conseguimos fechar a porta. Os aplausos foram ensurdecedores. A ovação não parava. Entramos no Corsa, os três apertados por uma televisão, e fomos embora, para desânimo da platéia. Faltavam apenas poucos minutos para o encerramento das votações. Meu voto tão pensado e estudado se perderia por uma televisão. Mas deu tudo certo.
Ao final, eu só pensava que podia ter sido pior. Poderíamos ter ido com o Ka da minha mãe.

Friday, October 24, 2008

Agonia.

O hospital estava silencioso. Os corredores, quase vazios, exceto por médicos residentes que transitavam com cara de sono na fria madrugada. O cheiro típico do local não mais incomodava as narinas de Marcelo, agora absorto em seus próprios pensamentos. Na sala de espera, sentado em uma cadeira desgastada, ele olhava distante, com os cotovelos cravados nos joelhos e a cabeça apoiada nas mãos.

A dúvida trazia a ansiedade. A falta de informações sobre o estado de sua mulher o angustiava. Há mais de duas horas ela havia entrado por uma daquelas portas. Desde então, nada. Nenhuma novidade sobre o que acontecia lá dentro ou como Lisandra estava. Enquanto isso, pessoas machucadas entravam e saíam, colocando na cabeça de Marcelo idéias que ele tentava evitar.

Marcelo pensava nela. Pensava em todos os momentos que passaram juntos. No primeiro beijo, encostado no portão verde da casa do pai de Lisandra. No casamento modesto, mas caloroso, com convidados chegando de outros estados em cima da hora. Pensava nas noites em que ficavam abraçados na cama, com o frio dominando o pequeno apartamento de dois quartos. Pensava nos planos que faziam para o futuro, sonhando com uma vida que um dia alcançariam.

Pensava em como tudo certamente mudaria a partir de agora. Em uma noite.

Começaram a chegar os parentes e amigos. Os pais de Marcelo, a mãe de Lisandra, a ex-colega de faculdade e atual melhor amiga. Um a um, todos perguntavam como ela estava. Marcelo respondia, com tremor na voz, um rápido “não sei”. Diziam que tudo iria ficar bem, que não havia motivos para se preocupar. Lisandra era forte. Marcelo, porém, permanecia intranqüilo, sem saber o que poderia acontecer.

Tudo havia sido tão rápido. De uma hora para outra, Marcelo se viu a caminho do hospital, com a esposa sofrendo ao lado, enquanto experimentava os limites do Corsa azul, presente dos pais. O desespero e a dor de Lisandra não saíam de sua cabeça. Agora, ali no hospital, a poucos metros de onde Marcelo estava, a pessoa que mais importava em sua vida provavelmente se via cercada por médicos, em dor.

Em meio a um destes devaneios, a porta se abriu. O som ecoou nos corredores silenciosos. Marcelo reconheceu um dos médicos que os receberam na chegada ao hospital. Trazia a cabeça baixa, caminhando sem pressa até o grupo. De súbito, Marcelo levantou, retesando todos os músculos do corpo, na espera da chegada do médico. Não queria demonstrar desespero. Tinha que ser forte.

O médico não levantava a cabeça. Somente o fez após parar, a dois metros de Marcelo. Olharam-se diretamente nos olhos.

Disse o médico:

- Parabéns. Você é pai de um lindo menino.

Thursday, October 23, 2008

A VIRGEM NA JAULA

A Virgem na Jaula - Um Apelo à Razão
Ayaan Hirsi Ali
Após Infiel, onde contou sua dura trajetória, Ayaan Hirsi Ali juntou escritos neste A Virgem na Jaula para refletir sobre os caminhos e o papel da mulher nas sociedades muçulmanas. Sempre de forma esclarecida e lúcida, a autora não se limita a apontar problemas, mas oferece soluções. Hirsi Ali defende que a ajuda dos países ocidentais é fundamental, mas que a mudança deve partir do próprio Islã, com os muçulmanos questionando os valores errados, principalmente o preconceito em relação à mulher. Apesar de repetitivo em certos momentos, com textos que voltando a assuntos já antes tratados, A Virgem na Jaula é uma obra importante, que realiza exatamente o que seu subtítulo afirma.

O SONHO DE CASSANDRA

O Sonho de Cassandra (Cassandra’s Dream)
Inglaterra/EUA/França, 2007
Após a aclamação de Match Point e a recepção fria a Scoop – O Grande Furo, Woody Allen volta a acertar neste O Sonho de Cassandra. O filme é um conto moral sobre a culpa, analisando as reações de dois irmãos após uma tragédia. Allen emprega um ritmo lento, criando identificação entre platéia e personagens. Ewan McGregor e Colin Farrell também ajudam, convencendo nas transformações pelas quais os personagens passam. Algumas situações são rápidas demais e o final pode decepcionar alguns, mas O Sonho de Cassandra não deixa de ser um filme competente e maduro.
Nota: 7.0

TROVÃO TROPICAL

Trovão Tropical (Tropic Thunder)
EUA, 2008
Reconhecido por papéis em comédias como Uma Noite no Museu e Quem Vai Ficar com Mary?, Ben Stiller também gosta de aventurar-se atrás das câmeras. Trovão Tropical é seu quarto filme como diretor e também o melhor. A sátira a Hollywood é excelente, com grandes personagens, atuações divertidas e piadas inspiradas. Stiller e Jack Black estão bem, mas quem rouba a cena é Robert Downey Jr., exibindo talento e timing cômico invejável. As gargalhadas sobram e o politicamente correto é jogado para o alto com freqüência. Obrigatório, nem que seja para conferir a participação mais do que especial de um dos maiores astros do cinema americano.
Nota: 8.0

Monday, October 20, 2008

Como criar monstros.

Muitos já devem assistido o comercial “Hitler”, da Folha de São Paulo. Veiculado em 1988, a peça criada por Nizan Guanaes começava com o quadro fechado em nada mais do que um ponto, enquanto a narração falava sobre um homem que uniu a Alemanha, acabou com o desemprego e recuperou a economia do país, entre outros feitos. A idéia transmitida era de que se tratava de um grande homem, um verdadeiro e iluminado, até o momento em que os pontos se uniam formando a face de Adolf Hitler. Ao final, dizia-se: “É possível contar um monte de mentiras dizendo apenas a verdade.”

Uma das duas peças brasileiras relacionadas entre as 100 melhores da publicidade do século passado, o comercial trazia um conceito impecável: o de que, mesmo sem contar uma inverdade, é possível levar o leitor a ter uma interpretação errada sobre determinado assunto. Hitler, de fato, fez tudo aquilo. Foi um grande líder, que reergueu um país em frangalhos após a Primeira Guerra Mundial. Mas o texto omitia o fato de que o Führer era um genocida, responsável direto pelo extermínio de seis milhões de pessoas apenas nos campos de concentração. Dizia somente a verdade, mas, ainda assim, construía uma imagem mentirosa de Hitler.

E isto é mais do que comum nos dias de hoje. Com a velocidade atual das informações, e a ânsia das emissoras em sair na frente das concorrentes, muitas vezes as notícias atêm-se simplesmente aos fatos, sem buscar uma contextualização mais acurada dos acontecimentos. A mídia não chega, necessariamente, a mentir, mas, ao transmitir apenas um lado de determinada história, acaba por colaborar para o surgimento de pré-julgamentos e opiniões levianas, erigidas unicamente por informações superficiais. É difícil condenar tais atitudes como falta de ética, porém, é inconteste o fato de que esta também não sobra.

Recentemente, passei por um caso desses. Um grande amigo meu envolveu-se em grave confusão na Indonésia, que culminou com o trágico falecimento de uma garota de 24 anos. Lendo as primeiras notícias sobre o caso, inclusive de publicações locais, eu tinha dificuldades em colocar o jovem que eu conhecia como causador dos incidentes. E os comentários das pessoas somente aumentavam minha confusão. Para eles, que apenas liam as reportagens, quem realizara aquilo era um monstro, um irresponsável que atravessou o mundo para destruir famílias. Para mim, era um irmão, uma pessoa a quem eu confiaria minha vida e a vida de minha família, pagando caro por um deslize.

O ditado de que existem dois lados para todo tipo de assunto é verdade. A frase de Nelson Rodrigues sobre a unanimidade ser burra também. Meu amigo cometeu um erro, sim. Um erro grave, mas um erro que qualquer um de nós poderia cometer. Por acaso, eu seria um monstro se, em um acidente, tirasse a vida de alguém? Se cometesse um crime em caso de necessidade, seria eu um marginal? E quantos destes “marginais” não erraram simplesmente em função de desespero? A pessoa que fui até o momento, merece ser esquecida? As amizades que fiz? Os conselhos que dei? Os relacionamentos que construí? Os abraços que ofereci? Onde irá parar tudo isso quando eu me tornar este “monstro”?

Reduzir a essência de uma pessoa a um simples “bom” ou “mau” não é somente uma atitude simplista, mas irresponsável. Homem algum cabe em apenas uma definição. Se ninguém consegue definir a si mesmo em uma única palavra, como o outro o conseguiria? Sempre, no centro dos mais trágicos acontecimentos, estão pessoas. Seres complexos, com histórias de vida, com parentes e amigos, erros e acertos, sonhos e desejos. Acima de tudo, pessoas. Como eu e você. Como o meu amigo na Indonésia. Como Lindemberg Alves, o seqüestrador de Santo André. Pessoas que erram, que se culpam e que tomam decisões, muitas vezes precipitadas.

Claro que nem todo mundo é inocente. Mas ninguém pode ser culpado de antemão.

AS DUAS FACES DA LEI


AS DUAS FACES DA LEI (RIGHTEOUS KILL)
De Jon Avnet. Com Robert De Niro, Al Pacino, Carla Gugino, John Leguizamo, Donnie Wahlberg, Curtis Jackson e Brian Dennehy.


Em 1995, o cinesta Michael Mann realizou um filme chamado Fogo Contra Fogo. Apesar de já ser um diretor respeitado, Mann viu seu trabalho cercar-se de expectativas pelo simples fato de reunir, pela primeira vez, dois dos maiores atores do Cinema, Robert De Niro e Al Pacino (os dois já haviam dividido os créditos em O Poderoso Chefão – Parte II, mas sem contracenar). Foi, de certa forma, uma decepção. Ainda que Fogo Contra Fogo seja um grande filme, os astros dividiam uma única cena das quase três horas de projeção. O tão esperado encontro tinha ficado para outra ocasião.

Eis que surge As Duas Faces da Lei. Dirigido pelo mediano Jon Avnet, o filme ganhou destaque por entregar o que a produção de Mann prometeu e não cumpriu: De Niro e Pacino dividindo a tela durante quase todo o tempo. A produção conta a história de uma dupla de policiais veteranos em busca de um serial killer. A diferença é que ele mata apenas criminosos que, por alguma razão, escapam à justiça. Com a ajuda de dois profissionais mais jovens, a dupla experiente tenta descobrir a identidade do assassino, ao mesmo tempo em que um deles se torna o principal suspeito dos crimes.

Infelizmente, a parceria mais uma vez decepciona, ainda que por motivos diferentes. Se Fogo Contra Fogo era um belíssimo filme com poucas cenas onde os astros contracenavam, As Duas Faces da Lei é uma obra repleta de defeitos com a dupla dividindo praticamente todos os momentos. Escrito por Russell Gerwitz, As Duas Faces da Lei em nada se diferencia da imensa quantidade de produções do gênero policial realizada em Hollywood a cada ano, com um roteiro capenga, direção pouco inspirada e um final “surpresa” previsível. Não fossem os nomes de De Niro e Pacino, o filme provavelmente nem passaria pelos cinemas, encontrando seu espaço em um Supercine da vida.

O grande problema da obra é o roteiro mal construído. A idéia do serial killer de criminosos é promissora (alguém já viu o seriado Dexter?) e promove a única reflexão interessante do filme: é justificável punir um culpado deixado livre pela justiça? Infelizmente, a história trata o assunto com superficialidade, relevando a inteligência para criar situações absurdas que justifiquem o final. Aliás, a conclusão de As Duas Faces da Lei é óbvia para qualquer um que já assistiu a um filme do gênero, principalmente pela falta de sutileza do roteiro e da direção de Avnet. Ao invés de contar uma história, eles tentam de todas as maneiras fazer o espectador acreditar em algo, uma insistência que deixa claro o fato de que aquilo não é verdade.

Além disso, o texto não dá espaço algum para desenvolvimento de personagens. O espectador fica sem conhecer nada sobre a vida de Turk e Rooster, exceto que são dois policiais veteranos. Há, em certo momento, uma menção sobre a filha de Turk, mas é algo tão solto na história que apenas causa estranheza. O mesmo acontece com as tramas envolvendo o personagem de Curtis “50 Cent” Jackson e da advogada, que prejudicam o andamento da narrativa e não levam a lugar algum. Como conseqüência, falta identificação entre público e personagens, o que torna o filme tedioso por jamais prender a atenção do espectador.

E nem Robert De Niro e Al Pacino conseguem salvar um péssimo material. Os dois atores são, obviamente, o único atrativo de As Duas Faces da Lei. Ainda que as performances estejam a anos-luz de seus melhores trabalhos, não deixa de ser um prazer ver dois dos maiores talentos da história do Cinema dividindo o mesmo quadro e trocando diálogos. Os atores tentam superar os problemas de roteiro e conseguem trazer um pouco de personalidade para os personagens: Turk é mais sisudo e profissional, enquanto Rooster é descontraído e brincalhão. Alguém pode reclamar, com justiça, que De Niro e Pacino interpretam estereótipos de si mesmos, mas é graças a eles que o filme torna-se, no mínimo, passível de ser assistido.

Até porque, como de praxe em seu currículo, a direção de Avnet não tem o menor resquício de inspiração. Clichê do início ao fim, o cineasta falha em gerar tensão, o que prejudica até o ritmo da obra. Mais do que isso, Avnet apela para lugares-comuns como o antagonismo entre a dupla mais velha e a mais nova e a mais do que irritante fórmula do vilão ter o mocinho sob a ponta da arma e se dignar a explicar todos os seus motivos. Além, é claro, de não conseguir manter a coerência na estrutura, perdendo o controle das tramas e, por conseqüência, o fio narrativo, cometendo erros básicos para o filme funcionar, como a já citada tentativa forçada de ludibriar o espectador.

Como resultado, As Duas Faces da Lei é uma obra que se julga inteligente, mas está longe disso. Ao contrário, é um filme ordinário e nada original, que provavelmente será esquecido daqui a duas semanas. Talvez, só talvez, seja lembrado por ser a primeira vez que De Niro e Pacino realmente contracenaram juntos. Porém, considerando-se o talento e a história destes dois monstros, eles mereciam algo muito melhor.

Thursday, October 16, 2008

Venham com o que tiverem.

Quem me conhece pode confirmar: nunca comento sobre erros de arbitragem. A meu ver, os homens de preto erram e acertam para todos os lados. Em uma rodada, pode acontecer um deslize contra nós, mas na próxima a marcação pode ser a favor. E normalmente é assim. Na maioria das vezes, os juízes e comissão de arbitragem não agem de má fé. São apenas erros e, considerando todas as circunstâncias que envolvem uma partida de futebol, erros perdoáveis.

No entanto, existem casos impossíveis de se relevar. Um deles é essa clara tentativa de abalar o Grêmio na reta final do campeonato. Desde o início do torneio, somos o cavalo paraguaio. Somos o time repleto de pernas-de-pau, que não duraria muito tempo na liderança. Muitos, quase todos, falavam isso. Mas as rodadas foram passando. O Tricolor foi se firmando na liderança. Tropeçando ocasionalmente, como todos. Mas sempre no pelotão da frente, disputando a posição mais alta e o troféu. De nada adiantou eles falarem. E eles se deram conta disso. Decidiram, então, agir.

Como? O Supremo Magnânimo Idôneo Tribunal de (in)Justiça Desportiva. Há algumas rodadas, nosso maior rival ao título esteve prestes a perder seu principal jogador. Sem Valdívia, Diego Souza tornou-se o cérebro da equipe de Luxa, o armador das jogadas e o principal definidor ao lado de Alex Mineiro. Pois Diego foi a julgamento por um lance inegavelmente maldoso e desleal. Inclusive a imprensa de São Paulo comentou isso. Sentença: absolvido.

Claro, como tirar o principal atleta do marqueteiro Luxa quando o Palmeiras mais precisa dele?

Mas isso não bastava. O Grêmio continuava lá em cima. Permanecia como o principal candidato ao título, o time a ser batido. Se em campo não é possível, que seja fora. Então Tcheco envolve-se em nada mais que um desentendimento no Gre-Nal. É pisado e, com certa justiça, reclama com o adversário – sem encostar um dedo nele! Além da expulsão, que até se entende por acontecer no calor de um clássico atípico, o camisa dez é julgado. Sentença: gancho de dois jogos.

Diego Souza deve ter dado gargalhadas.

Isso, porém, era um aperitivo. A bomba foi largada ontem. Para quem ainda não sabe, Léo foi suspenso por 120 dias, Morales por oito jogos e Réver por três partidas. E o pior: por casos ainda mais esdrúxulos e simples que os de Tcheco. Talvez com exceção do lance de Léo, situações comuns de jogo, resultado de ânimos exaltados em uma partida nervosa. Nada mais do que isso. Mas, sem exceção, todas as sentenças foram exageradas. Absurdas. Descaradas. Vergonhosas.

No momento em que escrevo, tento segurar a raiva. A tentativa de nos tirar o título é óbvia. Estou preocupado? Não. Furioso, não preocupado. O Grêmio, em toda a sua história, jamais venceu apenas dentro de campo. O Tricolor lutou fora também, contra a descrença, contra as falcatruas e contra todos os seus detratores. Os títulos gremistas são resultado não somente de futebol, mas de grandeza e hombridade em enfrentar todo e qualquer desafio.

Por isso, não me preocupo. Por isso, digo que venham. Venham para cima da gente. Empunhem suas armas, sejam elas feitas de chuteiras ou de maliciosas canetas. Venham com o que tiverem. Usem suas artimanhas, seus melindres. Sofreremos abalos, talvez nos desestabilizaremos um pouco. Mas superaremos. Como sempre. Passaremos por cima do que e de quem ousar parar em nossa frente. Venceremos. Com a força de uma paixão e veias pulsantes com um sangue que clama para ser de outra cor. Venceremos.

Arma alguma é capaz de parar o verdadeiro coração gremista.

O AMOR NÃO TEM REGRAS


O AMOR NÃO TEM REGRAS (LEATHERHEADS)
De George Clooney. Com George Clooney, Renée Zellweger, John Krasinski e Jonathan Pryce.


É difícil não admirar George Clooney. Mesmo sendo um dos maiores astros de Hollywood, o ator também é uma das mais interessantes e inteligentes figuras do cinema americano. Enquanto utiliza seu apelo junto às massas para juntar milhões em grandes produções, como a série Onze Homens e um Segredo, Clooney aproveita a grana arrecadada para bancar pequenos e relevantes filmes, como Syriana e Conduta de Risco. Além disso, o ator já se revelou um roteirista e diretor de mão cheia, inclusive com indicação ao Oscar em seu segundo trabalho atrás das câmeras, o ótimo Boa Noite e Boa Sorte.

O Amor Não Tem Regras é a terceira incursão de Clooney na cadeira de diretor e, infelizmente, seu trabalho mais fraco – ainda que seja um filme divertido. Situado em 1925, a trama apresenta o período da profissionalização do futebol americano. Dodge Connelly (Clooney) é um jogador veterano que vê sua carreira acabar com a falta de investidores. Ao descobrir Carter, um jovem talento universitário que leva multidões aos estádios, Connelly contrata-o para o seu time, de forma a garantir os recursos. Enquanto isso, a repórter Lexie Littleton (Zellweger) investiga o passado de Carter na guerra e desperta o amor dos dois homens.

Trabalhando com um roteiro de Duncan Brantley e Rick Reilly, Clooney acerta ao recriar o clima das comédias românticas dos anos 30 e 40, as chamadas screwball comedies. De certa forma, O Amor Não Tem Regras é uma grande homenagem a Howard Hawks, Ernst Lubitsch e a este gênero da época dourada de Hollywood. A abertura “antiga” da Universal, a trilha sonora de Randy Newman, a dinamicidade entre os atores, o grau de inocência que permeia os relacionamentos, tudo remete a grandes clássicos como Jejum de Amor e Núpcias de Escândalo, construindo um filme bastante agradável de se assistir.

Além do tom certeiro da direção de Clooney, muito deste sucesso deve-se ao roteiro e aos atores. Os diálogos são inteligentes e ácidos, ditos de maneira extremamente veloz, como se um dos personagens sempre tivesse a resposta na ponta da língua. No entanto, este artifício só dá certo graças à química entre os protagonistas. Clooney e Zellweger funcionam maravilhosamente bem juntos, divertindo-se à beça nos papéis e construindo personagens cínicos e divertidos. Assim, o clichê do casal que a princípio se odeia para depois se amar não é problema, pois fica claro que tanto os atores quanto os personagens estão brincando.

Sempre que se concentra neste lado da trama, O Amor Não Tem Regras funciona às maravilhas. No entanto, a produção ainda desenvolve outras subtramas que acabam por prejudicar o resultado final ao não manter o mesmo nível da principal. É o caso, por exemplo, da história envolvendo o passado de Carter na guerra. Ainda que tema da desconstrução do mito do herói seja interessante (Clint Eastwood também teve este foco em A Conquista da Honra), o assunto aqui é tratado de maneira leve e superficial, sem maiores conseqüências ou reflexos novos. John Krasinski parece inadequado no papel de Carter e a história apenas impede a narrativa de fluir com mais naturalidade.

O mesmo acontece com a questão envolvendo o futebol americano. Se Clooney e os roteiristas tinham o objetivo de mostrar a transição do esporte, de amador para profissional, a intenção ficou longe de ser atingida. Ainda que isto seja mostrado no filme, pouco se fala sobre como aconteceu a transformação. De uma hora para outra, surge um personagem responsável pela Associação do Futebol (ou algo do tipo), sem maiores explicações de como foi parar ali, quais os seus objetivos ou sobre as criações das novas regras.

Assim, o terceiro ato de O Amor Não Tem Regras, quando Clooney deixa de lado o aspecto da comédia em prol da trama séria sobre o esporte e a guerra, transforma-se em um grande e interminável tédio. Como não poderia deixar de ser, tudo encerra-se com uma decisiva partida – este, sim, um clichê que incomoda. E, para piorar, são levantadas questões até então inéditas, como o fato dos Bulluth Bulldogs só saberem jogar sujo, algo que se torna importante na resolução e que jamais havia ganho destaque em qualquer momento da trama.

Como resultado, O Amor Não Tem Regras parece vários filmes dentro de um só. Nenhum deles é necessariamente ruim, mas apenas um realmente dá certo. É, em geral, uma produção divertida e repleta de charme pela homenagem a uma época clássica, porém com alguns problemas narrativos que impedem maior recomendação. Ainda que mereça méritos por alguns de seus acertos, fica impossível negar que O Amor Não Tem Regras é o trabalho mais fraco de George Clooney na direção.

Sorte que ele ainda tem crédito.

Nota: 6.0

Thursday, October 02, 2008

CONTROLE ABSOLUTO


CONTROLE ABSOLUTO (EAGLE EYE)
De D.J. Caruso. Com Shia Labeouf, Micchele Monaghan, Billy Bob Thornton, Rosário Dawson, William Sadler e Ethan Embry.


Após uma série de papéis menores em filmes e seriados, Shia LaBeaouf foi alçado à condição de novo astro com o apenas divertido Paranóia. Dirigida por D.J. Caruso, a produção claramente inspirada em Janela Indiscreta foi um inesperado sucesso, tornando o ator um dos jovens mais requisitados pelos estúdios. No entanto, mesmo promissor, LaBeaouf ainda não conseguiu se firmar como intérprete de talento, optando por produções sem cérebro, nas quais nada mais faz além de correr e parecer assustado, como Transformers e este Controle Absouto.

Baseado em uma idéia de Steven Spielberg, o filme escrito a oito mãos começa tem início quando Jerry Shaw, funcionário de uma copiadora, descobre que seu irmão está morto. Após o funeral, Jerry chega em casa e descobre seu apartamento tomado de caixas com armamentos, o que coloca o FBI em sua cola. Sua única saída é seguir as indicações de uma misteriosa mulher que o liga dizendo como escapar das enrascadas. No caminho, Jerry encontra Rachel Hollohan, uma mulher que também recebe as ligações e precisa obedecê-las para salvar o filho.

Controle Absoluto não é um filme ruim. Ele é idiota, sem dúvida. Ele não faz o menor sentido, claro. Mas a obra consegue prender a atenção da platéia durante as quase duas horas, em um ritmo intenso e levantando algumas interessantes questões. O roteiro acumula um absurdo atrás do outro, com situações inverossímeis mascaradas sob a direção enérgica de Caruso – uma sacanagem com o espectador, mas uma sacanagem que, ao final, acaba dando certo.

Este é o grande mérito do cineasta. Caruso jamais acredita ter em mãos um grande roteiro com personagens memoráveis. Na realidade, a história não passa de desculpa para as cenas de ação, colocando os personagens em meio a explosões e situações que não fazem sentido. No entanto, o diretor demonstra, assim como em Paranóia, possuir controle sobre a produção, acelerando o ritmo e não deixando o espectador pensar – o que, neste caso, não é demérito. As cenas de ação são intensas, ainda que boa parte delas fique um tanto confusa graças à edição epiléptica.

Assim, acompanha-se Controle Absoluto com facilidade, graças também à misteriosa situação na qual os personagens se encontram. Durante boa parte da projeção, a dúvida sobre o que é e de onde vem a voz mantém o interesse.Infelizmente, o filme começa a se perder exatamente no momento em se descobre a origem da voz. A partir de então, o roteiro perde a lógica que conseguia manter, levantando uma série de perguntas sem respostas sobre o que havia acontecido.

A questão principal é essa. Até a revelação, o mistério funciona. O problema é que a explicação, ao contrário de explicar, apenas confunde. Afinal, não havia necessidade alguma de fazer os dois personagens passarem por tudo aquilo para o plano ser levado adiante. Por que não pegar alguém da própria cidade, se o Hex já havia sido roubado? Aliás, como o Hex foi roubado? Que outras formas de chantagem foram usadas para convencer as demais pessoas? Estas são apenas algumas questões que ficam sem respostas pelo roteiro.

No entanto, se os absurdos, como eles roubarem um carro-forte e Jerry invadir o Pentágono, são absorvidos graças à direção de Caruso, as interpretações de Shia Labeouf e Michelle Monaghan também desempenham papel fundamental nessa aceitação. Ainda que o material não ofereça algo para que possam criar grandes personagens, o talento e a boa presença dos atores em cena colabora para fazer a história andar, uma vez que eles convencem ao parecerem tão perdidos quanto o espectador em relação ao que está acontecendo.

Ao mesmo tempo, o roteiro furado ainda possui algumas boas idéias, principalmente em relação às soluções rápidas que surgem para resolver os problemas dos protagonistas. Em certo momento, a voz que os comanda dá um jeito de liberar o sprinkler de uma empresa, fazendo com que centenas de pessoas saiam às ruas e facilitando a fuga do casal. Enquanto isso, a trama ainda possui um contexto mais crítico em relação à sociedade atual, mais especificamente à falta de liberdade dos cidadãos em razão das políticas defensivas de seus governos – neste caso, o dedo é apontado diretamente aos EUA pós 11 de setembro.

Este, aliás, é o único traço de ousadia narrativa presente em Controle Absoluto. De resto, não passa de uma superprodução burra, com um roteiro capenga que coloca um dos astros do momento no papel principal para atrair público. Durante a projeção, o filme entretém e até diverte. O problema é quando as luzes do cinema se acendem e o espectador começa a perceber que Controle Absoluto não passa de mais uma imbecilidade do cinemão americano. Aí, porém, é tarde demais.

Nota: 6.0

Wednesday, October 01, 2008

Gratidão criminosa.

Normalmente, boa parte das pessoas que tem o hábito de ler (sejam especialistas ou não) costumam criticar aquelas obras mais formulaicas, direcionadas a um público mais abrangente. Este é, provavelmente, o argumento principal dos detratores de J.K. Rowling e Dan Brown, por exemplo. Segundo eles, são obras sem profundidade psicológica, personagens rasos e tramas com fórmulas batidas. Sem contar, claro, a própria precariedade do texto.

Prefiro ver por outro lado. Pode-se concordar com estes argumentos para os leitores mais vorazes, que absorvem grandes clássicos e obras eternas. Porém, livros mais populares são extremamente úteis e valorosos, pelo simples motivo de despertarem em novatos o prazer da leitura. Quem começa lendo Harry Potter, certamente terá vontade de conhecer outras obras. Em breve, depois de Rowling, estará lendo Dostoiévski e Saramago.

E afirmo isso por experiência própria. Sou fanático por literatura e tenho a absoluta certeza de que essa minha paixão teve início ainda na época de colégio, quando eu lia a saudosa Coleção Vaga-Lume e simplesmente engolia os romances de Agatha Christie. Li muita coisa da Rainha do Crime. Mesmo. Na minha adolescência, foi lançada uma coleção que vendia os livros de Christie a oito reais. Toda semana, eu comprava um. Toda semana, eu lia um, já ansiando pelo próximo.

Naquela época, a autora era a minha favorita. E foi por muito tempo, até eu adquirir um conhecimento maior de literatura e um senso crítico mais apurado. Desde então, outros assumiram o posto, porém mantive o carinho por Christie. Por muitos anos, fiquei sem ler absolutamente qualquer coisa dela. Aventurava-me por outros gênios e caminhos. No entanto, a britânica sempre teve um lugar especial no meu coração por ter despertado a chama dessa paixão em mim.

Foi, portanto, com interesse e nostalgia que comecei a ler A Noite das Bruxas. Não planejava voltar às páginas de Christie, até porque a fila de obras que tenho para ler continua aumentando no meu quarto, mas o livro praticamente caiu no meu colo. Quando comecei a ler, voltava no tempo. Voltava à adolescência. Reencontrei-me com o inigualável Hercule Poirot, revivi os assassinatos sem explicação, fui reapresentado aos personagens capciosos e, claro, vibrei novamente com os finais que davam sentido a tudo – ou não.

A Noite das Bruxas está longe de figurar entre as melhores obras da Rainha do Crime. Isso é fato. Mas o livro conta com todos os ingredientes que transformaram-na em um sucesso. Lendo, notava claramente algumas das falhas do texto de Christie, o desenvolvimento claudicante da trama, o excesso de personagens, a superficialidade destes e a estrutura mais do que óbvia da narrativa.

Reconheço os erros – maiores ou menores em cada uma de suas obras. E daí? Agatha continua para mim como uma das maiores. Mais do que uma autora, é uma amiga que me abriu as portas para um novo mundo de infinitas possibilidades. Posso demorar anos para ler uma nova obra sua, e provavelmente demorarei. Mas, bons ou ruins, os livros dela são essenciais. Fazem parte da minha vida. E, por isso, serei eternamente grato à grande Rainha do Crime.